Conto 10: Mapas

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Escrito por: Ana Flávia Carvalho, @escritoraanaflavia no Instagram

Classificação Indicativa: +10

Mais uma vez, sonhei com ele. Nós conversávamos e eu ouvia sua voz grave penetrar minha mente. Sempre foi difícil resistir àquela voz. Acho que é a única parte dele que nunca vou conseguir esquecer.

Depois de alguns segundos acordada, percebi o que foi o som que me despertou. Meu celular tocou pela última vez quando fui atender, e vi no visor que haviam duas chamadas perdidas, além de duas mensagens.

Preciso de você, dizia a primeira das mensagens. Já a segunda era uma localização no mapa.

Meu coração disparou, me levantei da cama e não pensei duas vezes antes de ir para o carro. Não me importei de serem 4 horas da manhã, de ser inverno e eu estar de pijamas. Tudo o que pensei é ir até ele.

Sincronizei o celular com o carro e coloquei no GPS a localização que me foi enviada. Comecei a dirigir e segui o mapa que me levaria até ele. Eu mudava a estação de rádio pelo botão do volante; procurava por alguma música que pudesse acalmar meu coração.

Enquanto isso, o mapa pediu que eu entrasse à esquerda e eu só consegui pensar no tamanho da ironia. Era sempre assim no passado. Ele me pedia ajuda, me mandava a localização e eu seguia o mapa até ele. Assim como das outras vezes, nunca hesitei, nem por um segundo. Sempre estava ali por ele, sem pestanejar.

Todas as vezes que ele se metia em confusão, em todos os momentos que ele ficava bêbado demais para ir para casa ou apenas estava carente demais para ir sozinho, lá estava eu. Nas horas mais difíceis, nas noites mais sombrias. Sempre eu.

Agora ali estava eu novamente, depois de muito tempo sem receber suas súplicas, o mapa que me levou até ele. Eu nem sabia direito por que fazia isso. Talvez fosse realmente a voz dele, o jeito fofo como ele dizia meu nome ou como ele sempre me trazia um presente em dias não especiais. Talvez fosse apenas porque eu era completamente apaixonada por ele e por tudo que vivemos. Mas com certeza, o principal motivo é que eu sou burra demais.

Lembro da primeira vez em que ficamos juntos, a forma como ele havia se declarado para mim, depois de eu o ter resgatado de mais uma briga de bar. A forma como ele dizia que, sem mim, ele não era nada. Ele me fez acreditar que eu era a pessoa mais importante do mundo para ele, e não tive outra escolha senão ceder aos meus instintos e me entregar à paixão que eu omitia até de mim mesma.

Nós crescemos juntos, éramos melhores amigos. Costumávamos brincar que seguiríamos um mapa que nos levaria à felicidade, um mapa para um lugar melhor. E desde então, eu me apaixonei por ele.

Nós fomos crescendo e esse sonho de perseguir o mapa mudou para nós dois. Ele quis viver e aproveitar o mundo e eu Bem, eu quis seguir os mapas que ele criava e me mandava. Eu estava sempre ao lado dele, querendo ser a pessoa com quem ele podia contar e, em partes, consegui.

O gps mandou eu seguir a rotatória até a terceira entrada. Eu me lembrei perfeitamente aonde estava indo: um pub muito conhecido na cidade que nós dois havíamos visitado uma vez, onde ele havia me pedido em casamento 8 meses atrás. E lá ele estava quando tudo desmoronou entre nós.

Sigo mais rápido e estaciono em frente ao local; já estava fechado há algumas horas, mas era possível ver que uma das mesas exteriores ainda estava sendo ocupada. Meu estômago se contraiu e engoli em seco. Eu não sabia se estava pronta para encontrá-lo; seria a primeira vez que o veria depois de tudo.

Segui hesitante até o local em que meu ex-noivo estava sentado e o olhei, seus olhos estavam caídos e seu semblante pesado.

⏤ Achei que você não viria, Lara. ⏤ Ele não me encarou para dizer. Suas mãos se apoiaram firmemente sobre a mesa e ele as fitava.

Entre Palavras e AcordesWhere stories live. Discover now