II: O Castelo de Otranto, de Horace Walpole

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Não há nada mais justo do que começar essa história com três simples palavras, as quais sem a menor sombra de dúvidas são bastante interessantes: era uma vez. Entretanto, em nosso conto de fadas existe uma ímpar e excêntrica diferença; não há fadas com varinhas de condão e asas com libélulas. Nem mesmo princesas encantadas que esperam ansiosamente por um tal de príncipe, tampouco sapatinhos de cristais, e bem, sequer a certeza de que todos serão felizes para todo sempre. Contudo, nossa história certamente será tão mágica quanto.

É muito difícil de acreditar, mas, as palavras são uma fonte única e inesgotável de magia. Algumas delas, poderosas além da simples compreensão humana, são capazes do inimaginável, ou mesmo do impossível. Se existe eternidade, ela reside nas palavras, pois sobrevivem à própria morte; mesmo após o fim da nossa efêmera existência, continuarão a existir, vagando pelo nosso pequeno e imenso universo. E para aqueles que só acreditam vendo, isso é uma tristeza, pois os olhos são ilusórios e finitos! Mas, as palavras, o conhecimento, as ideias, essas sim são verdadeiramente imortais, e continuarão pelo nosso vasto universo até mesmo quando a humanidade deixar de existir.

Ainda assim, há algumas palavras que ficam gravadas em nossa mente, ou no coração, se preferir, como um chiclete irritante no nosso sapato. Alguém uma vez disse uma frase, inclusive, que ainda vaga e decerto que continuará vagando na mente de muita gente; tais palavras eram dez. Trinta vogais. Trinta consoantes.

A magia é reservada aos excêntricos. Especiais, particulares, talvez loucos.

A velha diretora da Universidade de Artes Místicas Le Fay e Montreaux, cujo nome era Anaha Azniv, era uma dessas pessoas tão especiais, particulares e excêntricos quanto se é permitido imaginar. Ela se sentia imensamente contente. Um novo ano raiava sobre a bela paisagem com ar bucólico, atrás das montanhas que cercavam a universidade. A alvorada surgia com os primeiros raios de sol enquanto uma fina neblina caía sobre os arredores do castelo. Na mais alta torre, uma melodia retumbava sobre a sala.

ㅡ Eu sabia que você viria! ㅡ a mulher disse com um tom de voz confiante ao ver um corvo na janela. ㅡ Estava esperando ansiosamente por sua visita, Morgana. Vire mulher.

A diretora sacudiu sua mão. Centelhas luminosas foram ao encontro do corvo. A mulher loura virou-se para sorrir ao corvo. No entanto, o pássaro havia desaparecido. Uma mulher alta e esbelta ㅡ bonita, mas visivelmente preocupada ㅡ, dona de olhos azuis profundos e cabelos negros lustrosos e selvagens, aparecera em seu lugar. Seus lábios finos eram realçados por um batom vermelho sangue que destacavam sua pele pálida. Suas feições não eram sorridentes, em comparação ao semblante sereno de Anaha Azniv.

ㅡ Olá, Diretora Azniv ㅡ Morgana Lispect cumprimentou. ㅡ Eu recebi a sua carta. Devo dizer que não esperava.

ㅡ Notoriamente, minha cara professora ㅡ a diretora disse, balançando a cabeça suavemente em concordância.

ㅡ Como soube que o corvo era eu?

ㅡ Morgana! Em todos os meus noventa e tantos anos nunca vi um corvo tão bravo.

ㅡ Você não parece tão preocupada quanto eu, não é? Ah, é claro que não, você nunca se preocupa, mademoiselle ㅡ Morgana atirou as palavras com acidez.

ㅡ Eu não tiro sua razão! ㅡ Anaha mostrou um grande sorriso no rosto. ㅡ Mas sorrir faz sempre bem. Estava na França?

A diretriz pensava que na Universidade de Artes Místicas Le Fay e Montreaux um novo ano letivo deveria ser sempre um motivo para euforia, mesmo após quase três milênios desde a fundação da universidade, a primeira do mundo. A chegada de novos bruxos e bruxas era uma ocorrência aclamadíssima, afinal, aqueles estudantes num futuro não tão distante seriam a geração responsável por reger absolutamente todo o mundo místico. Pobre mundo; seria o seu fim.

Le Fay e MontreauxWhere stories live. Discover now