O Estrangeiro - II

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A pequena tropa recém-rendida constituía o único remanescente de presença inimiga na comuna. Ao curso da madrugada, alguns soldados vasculharam o resto da cidade, procurando inimigos em construções abandonadas, nas casas dos civis e até mesmo nos arredores do lugar, sem êxito em encontrar alguma coisa. Não participei dessa busca, pois estava vigiando os prisioneiros que tínhamos acabado de fazer.

Durante o treinamento, a propaganda nacional se esforçara para criar, em nós, uma imagem terrível dos inimigos que combateríamos. Aprendemos sua estranha doutrina racial, seu orgulho e sua crueldade. Segundo os instrutores e propagandistas, os alemães eram máquinas de morte que traziam destruição imensa, miséria, morte e loucura por onde passavam. Eram retratados com semblantes impiedosos, capazes das mais terríveis atrocidades. Portanto, quando tivemos nosso primeiro contato com o inimigo, ficamos surpresos ao encontrar sete jovens (excluindo o suicida), nenhum com idade mais avançada do que 25 anos, com medo, frio, fome, incertezas e arrependimentos expressos em suas faces. Logo compreendemos que a "máquina de guerra" nazista havia atingido um ponto crítico. Estavam recrutando qualquer um que fosse capaz de segurar uma arma e de sustentar o peso do próprio corpo com os pés. Esse tipo de informação é uma faca de dois gumes pois, ao mesmo tempo que nós nos sentíamos encarando um inimigo que não era tão forte quanto parecia, também nos sentíamos lutando contra jovens na mesma condição que nós.

Nós vasculhamos os prisioneiros um a um, tirando suas armas e procurando por itens de nosso interesse, tais como planos estratégicos ou cartas de outras expedições. Não fomos capazes de encontrar nada além de cartas de familiares e fotos das esposas de alguns que, provavelmente, serviam para "consolá-los". Sabendo que nenhuma informação havia sido encontrada em registros, era claro que um interrogatório precisava ser realizado. O problema era que, como era de se esperar, nenhum deles falava português, e nenhum de nós falava alemão. Eu, porém, conseguia "arranhar" a língua inglesa, e Fernandes ordenou que eu encontrasse algum deles que falasse o mesmo idioma. Surpreendentemente, um dos mais jovens levantou a mão, provavelmente alguém que tivera tido acesso a boa educação, mas que se encontrava ali por algum motivo. Eu, porém, também era bem letrado em comparação com a maioria dos meus colegas e me encontrava na mesma situação.

Começamos a conversar em inglês, ele com sotaque germânico e eu com sotaque mineiro. Provavelmente, algum fluente no idioma teria chorado de rir de nossas tentativas de comunicação, mas, pelo menos, éramos capazes de entender um ao outro.
   
O rapaz foi teimoso no começo, negando compartilhar qualquer informação que pusesse em risco outros soldados da "grande pátria alemã". Não foi muito difícil, porém, reverter sua mentalidade, notando que ele próprio, um adolescente, agora estava no campo de batalha. Sua resiliência mental se esgotou nos primeiros minutos, e ele entregou as informações que precisávamos: a patrulha alemã que havia saído para dar apoio a outro conflito próximo retornaria dentro de um dia, e o rapaz nos deu informações geográficas a respeito do retorno planejado. Ainda naquele espaço, havia um equipamento de rádio exposto. Barroso, o único que conseguia mexer com alguma eficiência naquele equipamento, conseguiu estabelecer contato com as nossas tropas, passando-lhes as informações extraídas do jovem garoto. Prometeram que reforços chegariam dentro de "algum tempo", tempo este que nunca foi especificado.

Alguns dos nossos rapazes passaram o dia seguinte estabelecendo contatos com civis, dando-lhes presentes e tentando falar italiano. Alguns soldados "sedentos" cortejavam as jovens mulheres dali, mas suas ações eram vistoriadas de perto tanto pelos sargentos quanto pelos próprios soldados ao redor. Qualquer crime de natureza lasciva cometido contra a população civil era passível de execução imediata.

Em relação aos prisioneiros, eles eram sortudos. Havíamos ouvido histórias de como os ianques e britânicos tratavam os alemães, e até mesmo do que os soviéticos faziam. Comparado com o que nos tinha sido relatado, aqueles jovens e inexperientes soldados rendidos teriam um destino muito melhor.

Contos de uma Mente Perseguida Where stories live. Discover now