Porta

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Havia uma praia onde as almas dançavam como se ainda estivessem no mundo dos vivos.

Samantha acordou, mas não saiu da cama. Ainda respirava com dificuldade tentando afastar o cheiro ferroso do sangue. — Foi apenas um sonho. — Repetia para si enquanto forçava o corpo a levantar. O estômago revirava e ela temia fechar os olhos e rever as pilhas de corpos, ouvir os gritos... levou a mão aos lábios contendo a náusea quando o espasmo fez corpo inclinar para frente.

Fixou os olhos nas paredes de pedra e por um momento foi como se ainda estivesse presa no sonho, nas profundezas de alguma masmorra. — Não. — Agitou a cabeça, afastando os pensamentos. As paredes não eram iguais, apenas as paredes que faziam o contorno externo da casa eram feitas de pedra espessa e encaixada sem qualquer argamassa, do lado de dentro eram altas e lisas, perfeitamente suavizadas e pintadas de branco.

Mesmo assim, naquele momento pareciam opressivas. A tinta branca era como uma suave mentira sobre a pedra, escondendo onde cada rocha encaixava sobre a outra. Puxou o ar e notou a linha fina, quase invisível, que subia da base até perto do teto e então seguia à direita, formando a imagem de um portal.

— O que há de errado comigo? — perguntou-se sentindo o espasmo de outra náusea. — Quando meus sonhos viram pesadelos?

Sentia o cheiro do sangue como se as pilhas de corpos fossem reais. Os braços ardiam como se houvesse fundos rasgos. Samantha olhou para as mãos trêmulas, mas sem ferimentos. Ela se forçou a sair da cama e caminhou com passos trôpegos. Pensar em qualquer coisa era melhor que continuar remoendo os pesadelos.

Parou com as mãos espalmadas sobre a parede fria. Um formigamento percorreu as palmas. Os dedos encontraram o fino traço que delineava o portal. Acompanhando o traçado, aquele fio quase inexistente pareceu uma fissura ou uma fina fresta.

Samantha riu da própria imaginação.

— Não tem como isso ser uma porta.

Ainda sim ela pressionou usando o peso do corpo e a pedra gemeu, regendo como uma porta que está fechada a muito tempo e desliza para dentro até desaparecer.

— Onde estou? — perguntou-se tateando pedras frias. O ar tinha cheiro de mofo e musgo. Os joelhos tinham batido em algo macio. Samantha tentou não pensar no assunto, mas os dedos estavam afundados naquilo.

A escuridão começou a ceder, o chão e os dedos estavam cheios de musgo. Ela riu da situação ridícula em que se encontrava.

— Melhor ficar de pé — disse para si mesma.

Começava a enxergar as paredes esculpidas na pedra da fundação. Devia estar com medo, mas não conseguia tirar os olhos dos orbes que acendiam uma a um, emitindo uma luz pálida revelando a escada espiral que descia sob a casa.

— Parecem feitos de cristal. — Tocou uma das esferas lisas branco leitosas.

Era tão maravilhoso e inusitado que ela esqueceu dos pesadelos e das náuseas. Sentia apenas o formigamento nas pontas dos dedos, o impulso atordoante de seguir em frente. Como se o fim daquele caminho chamasse por ela.

Dentro da passagem de pedra não havia dia ou noite, apenas o caminho. Ela jamais saberia dizer se foram minutos ou horas, sabia apenas que os passos eram pequenos, os degraus escorregadios e as paredes frias, o ar tinha cheiro de antiguidade e quando finalmente a luz do sol a atingiu estava no meio da mata virgem do outro lado da colina, onde a vegetação e a areia se tocavam.

— A praia além da floresta brumosa — murmurou. Ainda usava a camisola branca de cetim e sobre ela a coberta enrolada aos ombros como um manto felpudo.

A PRAIA DAS ALMAS LIVRO II - PRESUNÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora