vinte e um

30 4 0
                                    

Penso que agora é seguro; respiro fundo e abro meu bloco de notas no capítulo pela metade. Leio uma, duas, três vezes. Sei exatamente como eu quero prosseguir mas simplesmente não vai.
As palavras ficam passando diante dos meus olhos, como se fossem partículas de poeira, vistas contra a luz do sol. Impalpável, e quando tocadas, desaparecidas nas digitais dos meus dedos. Daquele mesmo jeito que eu enxergava quando era criança no quarto da senhora. Quando a vida já me esmagava aos poucos mas eu não contava para ninguém.
Queria conseguir colocar para fora tudo o que acontece aqui dentro, expulsar cada demônio que fez da minha mente uma mesa de bar, derrubando cerveja choca e uísque quente no chão. Gritando palavras ofensivas para mim, pobre - burra - garçonete que ainda insiste em servir bem. 
Mas servir bebida estragada é a única coisa que eu consigo fazer. Talvez o líquido dessas garrafas transparentes se solidifiquem como veneno bem no fundo, do tipo daquelas balas que poderiam quebrar os dentes se mordidas com força.
Eu gostaria de quebrar os dentes de todas essas bestas que criei. Se não com as balas corrosivas, com meu próprio punho.
Mas a única coisa que consigo é ficar com os olhos abertos, estáticos, encarando o capítulo pela metade.
Talvez a escritora dentro de mim tenha sido assassinada pelos próprios monstros de criação.

enquanto fumo aquele cigarro que você odeiaWhere stories live. Discover now