Missão: A voz que clama no deserto

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Foi quando eu descobri que, na verdade, aqueles que me amaldiçoavam, no fim das contas me abençoavam...

~ × ~

- BORAAAA! BOORA, SEUS LERDOS!

"Isso é perda de tempo. O que você tá fazendo aqui?"

- OLHA PRA BAIXO E NÃO PARA!

"Desiste enquanto dá tempo..."

- BORAAAA!

"Você não vai conseguir. Você é um fraco!"

- A GENTE NÃO TEM O DIA TODO! BORA, BORAAA!

Era 5h30 da manhã. Os coturnos mal estavam enlaçados, porém, totalmente enlameados. Não sabia-se distinguir se eram pretos, marrons ou trajavam algum tipo de camuflagem nova.

- BORA, BORAAAA! TÁ MUITO DEVAGAR!

Alguns carregavam mais do que 10% do próprio peso nas costas, e se a coisa ficasse muito feia, teriam de carregar outro deles também. Por conta disso, era imperativo que ninguém pisasse 1 milímetro sequer em falso, senão a coisa ficaria feia pra todo mundo.

- QUE M*RDA É ESSA? TÁ INDO PRA DISNEY, GUERREIRO?

- QUANTA MUAMBA! ARREGO!

Estávamos com as malas equipadas, armamento nos braços, e tinha um ou outro gato pingado que não sabia onde havia colocado a bandoleira, tornando assim sua descida pelo morro barrento 15x pior.

Estava chovendo, e o solo parecia ficar mais escorregadio a cada segundo que se passava. Com toda certeza os confrontos infindáveis, a essa altura do campeonato, já se encontravam sólidos o suficiente no sub-consciente para se tornarem aceitáveis e dignos de serem repensados.

- QUANTA LERDEZA! ADIANTA O PASSO!!! BORAAAA!!!!!

"Desiste, você não aguenta. Vai acabar dando prejuízo pra todo mundo..."

Mas esse não era o real intuito. Não podíamos nos deixar levar por nossas fraquezas. Os oficiais e praças estavam ali para despertar o verdadeiro eu de cada um que passava pela pista, e alguns infelizmente acabavam se decepcionando com o que viam. A cada nova etapa, mais tilintares de sinos ressoavam. Mais covas eram cavadas. Mais homens abandonavam o local desenganados.

"OS SENHORES NÃO TEM O QUE É NECESSÁRIO PARA COMPLETAR ESSE CURSO! OS SENHORES NÃO MERECEM A FARDA QUE ESTÃO VESTINDO! E É POR ISSO, QUE VOCÊS VÃO PEDIR PRA SAIR ANTES DE CHEGAREM ATÉ O FIM! VOCÊS SÃO UNS FRACOS! NENHUM DOS SENHORES É BEM-VINDO AQUI!"

Soldados nos encaravam com cara de psico todos os dias. Essa atitude nos fazia ficar alertas e preparados para tudo o que viesse. Medo não era a definição correta. Talvez cautela e observação descrevessem melhor o caso. Estávamos sujeitos a qualquer coisa, a qualquer momento, e em qualquer lugar. Não tinha hora nem tamanho. Apenas o sanhaço e a coragem nos mantinha de pé.

Por trás de cada feição marrenta e firme, reparando de uma visão alternativa - bem dizer, como um destes -, via-se que nada era o que parecia. A cada fase que findava daquela semana de ralo, os instrutores passavam a bola para outro grupo de instrutores para que pudessem se preparar para a próxima fase, e a próxima, e ainda a outra. O revezamento não tinha fim, mas o motivo maior não era recuperar o fôlego de tanto esculachar os mocorongos, como era de se pensar - e naturalmente, ainda diria. - Na verdade, precisavam se recuperar com joelhos no chão, pedindo forças extras para cada alma jovem que passava por aquele circuito infinito. Muitos se prontificavam para o curso, mas poucos realmente chegavam ao fim. Aos frangalhos ou só o pó, não importava. Não havia maior satisfação para o grupo de instrução do que retirar aquela cobertura batida e insignificante no momento da entrega do gorro negro. E só pude tirar essa conclusão quando vi com meus próprios olhos...

As pernas trêmulas, panturrilhas e toda articulação presente em meu corpo e de meus camaradas prestes a ceder em qualquer mínimo sinal de relaxamento. O olhar altivo sustentava juntamente com a moral quando a carcaça já havia arregado há tempos. E então, a visão daquilo que relatara previamente. É chegada a hora em que, sob nossas cabeças, uma nova história havia de ser contada. Um a um. Os olhos embargados do lado de dentro refletiam o orgulho e felicidade abrangente que mergulhavam pelo olhar do Sargento, que agora se encontrava de pé em minha frente. Com um gesto firme, a cobertura batida é arrancada de minha cabeça como se não significasse coisa alguma, indo de encontro ao chão como se fosse ali o lugar dela desde o princípio. Uma nova cobertura tomava seu lugar, nova em folha, pronta para fazer seu nome. Sinto um soar retumbante passar por minhas cordas vocais, e enfim concluo que aquilo tudo tivera realmente chego ao fim. Depois de toda luta, cada suor, deixado em cada etapa, a cada dia, tivera valido a pena. A alegria incrédula irradia por entre minhas veias trazendo mais sustância para a base de minhas pernas. Só conseguia vibrar incessantemente do lado interno, mantendo a postura no exterior.

Foi quando eu descobri que, na verdade, aqueles que me amaldiçoavam, no fim das contas me abençoavam...

𝑆𝑡𝑎𝑟𝑘 𝐴𝑑𝑣𝑒𝑛𝑡𝑢𝑟𝑒𝑠Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ