Capítulo 1

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"Uma alma gêmea é como um melhor amigo, mas mais que isso. É a pessoa que te conhece melhor que qualquer outra. Que faz de você alguém melhor. Na verdade, é você mesma que se torna uma pessoa melhor, porque ela é uma inspiração. A alma gêmea é alguém que você carrega consigo sempre. É a unica pessoa que conhecia e aceitou você e que acreditou em você antes dos outros ou quando os outros não acreditavam. E aconteça o que acontecer, você sempre vai amá-la. Nada pode mudar isso."

Dawson Leery

(...)

Eu admirei a paisagem. Águas azuis que se moviam com tranquilidade. O céu limpo de nuvens brancas, alguns pássaros voavam nas linhas distantes do horizonte. Montanhas que impunham respeito, capazes de resistir a uma infinidade de adversidades. Árvores grandes e que aparentavam ser muito antigas.

Observei as pessoas sentadas no barco enquanto conversavam entre si. A música alta fazia o aparelho eletrônico pulsar e tremer. Eu não deveria estar aqui, minha mente lembrava a cada maldito instante esse detalhe. Meu pai estava no comando na embarcação, rindo das piadas de sua nova esposa... interagindo com as duas enteadas. Era inacreditável.

Como as coisas chegaram nesse nível e mudaram drasticamente? Há algum tempo eu comemorava o fim do ensino médio, feliz com a escolha do vestido do baile. Agora... agora é como se nada fosse importante o suficiente e perdesse o real significado. Minha mãe entrou em negação, ela está tentando esquecer tudo que possa lembrá-la da traição.

E meu pai reconstruiu sua vida rápido. O recente casamento com uma mulher loura, 10 anos mais jovem e com duas filhas, exige seu tempo integral e total atenção. Eu não deveria estar feliz por ambos estarem tentando seguir em frente? Mesmo que isso envolva mentiras e ingestão de muita bebida alcoólica? Nada é pior do que se sentir indesejado.

- Tudo bem, Bella? - Questionou Lucy em nítida preocupação, isso atraiu olhares que eu não gostaria de receber no momento.

- Sim, estou ótima - Respondi, sorrindo e torcendo para acreditarem na mentira.

E funcionou. Eu não odiava Lucy, ela não era a vilã da história, muito menos suas filhas absurdamente lindas e encantadoras. O medo infantil estava enraizado em minha mente, era doloroso enxergar o desenrolar da situação. O quão cruel é sentir que foi esquecida por seus próprios pais? Aqueles que deveriam ama-la e protegê-la dos perigos do mundo.

Estendi a mão e senti a água morna. Era a temperatura perfeita, nem quente demais ou fria em excesso. Peixes de tamanhos e cores variados nadavam nas águas pacíficas, lindos e extraordinários. Entretanto, o mar começou a ficar agitado, mais intransigente. O barco se tornou instável e balançou sendo influenciado pelos movimentos bruscos.

Nuvens escuras e densas preencheram o céu a uma velocidade absurda. Raios fortes e trovões multicoloridos explodiram por meio da escuridão absoluta acima de nós. Observei meu pai tentando dar a volta e nos manter em segurança. Os olhos castanhos refletiam uma batalha interna consigo mesmo. Ele me olhou e tentou sorrir, mas não conseguiu.

Eu senti os batimentos cardíacos muito rápidos e inconstantes... como as asas de um beija-flor. A garganta ficou seca, os pulmões e narinas queimando. Eu agarrei o barco, unhas fincadas contra a estrutura de madeira sólida de coloração amarronzada. Orei e implorei ao céu por misericórdia, lágrimas quentes foram se formando e caindo livremente.

- Bella, não - Gritou Lucy, mas era tarde e fui lançada no meio do mar revolto.

Eu não sabia nadar. Quão estúpida tinha sido a ideia de comparecer a essa reunião em primeiro lugar? Eu senti a gravidade empurrar meu corpo para baixo, a violência foi tamanha que não houve resistência. Bolhas de ar eram expelidas de meus pulmões, o último indício e esperança de sobrevivência. A sensação forte de queimação aumentou o desespero.

Aos poucos fui perdendo as forças e me rendi a catástrofe inevitável. A visão desfocou e eu simplesmente apaguei. Morrer não tem o glamour que aparece nos filmes, é solitário. O vazio é duradouro e a paz é esmagadora. Sem o filme inteiro de sua vida passando diante de seus olhos, somente silêncio. Meus pais iriam sentir minha ausência? Chorar por mim? Tudo que restaria eram fotos e memórias.

(...)

Eu engasguei. Água salgada saindo com violência das profundezas de meu estômago e pulmões. Ouvi vozes ecoarem no fundo e eu não reconheci o idioma. Minha cabeça doía, o cérebro parecia pulsar contra o crânio. Eu não consegui pensar direito, estava com medo. As imagens do acidente inundaram minha mente e lágrimas encheram meus olhos.

Eu morri? Esse é o céu? Respirei fundo e consegui sentar na areia. Homens e mulheres de aparência estranha me rodeavam, roupas e acessórios antigos. Eu fui levada pelo mar até uma festa geek de época? As crianças tinham se afastado quando notaram que acordei. Sua curiosidade evidente, assim como no rosto de seus familiares e conhecidos.

Eles me olharam de cima a baixo. Tentei levantar, mas as pernas cederam. A comoção e murmurios apenas aumentou. Ficamos sem mover um músculo sequer, eu apenas encarei a pessoa segurando minha mochila, ela tinha o semblante frustado. Eu tentei pedir ajuda ou descobrir onde estávamos, mas parecia haver uma barreira linguística entre nós.

- Senhor, por favor me ajude - Implorei, o mundo desmoronando sob meus pés.

O falatório cessou de repente, um grupo composto por quatro homens se aproximou e olharam ao redor, provavelmente buscando as pessoas corajosas o suficiente para explicar o problema. Eles compartilhavam aspectos que indicava proximidade genética... talvez irmãos ou algo do tipo? Eram todos loiros e fortes, os olhos marcantes e profundos, mas um deles é diferente dos demais homens.

Ele se arrastava pelo chão. Eu estremeci com a intensidade de seu olhar... incrédulo de mil e uma formas distintas. Determinação era notória através de sua expressão fácil, ele não perdeu tempo e começou a se aproximar. Sua movimentação deixou um rastro sobre a areia branca. As pessoas recuaram conforme suas mãos o traziam para perto de mim. Que lugar estranho é esse? Estou em perigo?

Eu permaneci sentada, perdida demais e confusa para esboçar qualquer reação. Ele foi cuidadoso... cuidadoso em excesso, como se não quisesse me assustar. Sua mão ameaçou tocar meu rosto, mas recuou. Eu senti o calor agradável de seu corpo, ele era aquecido pela vestimenta rústica e colorida. Eu tremia como nunca, o frio se misturou ao medo. De novo, a tentativa de diálogo foi iniciada.

- Desculpe, eu não entendo - Respondi, a simples ação fez seus olhos brilharem, porém desconfiei que ele não entendeu nada.

Outro rapaz se aproximou, imponente. A postura altiva mostrou maturidade, é provável que seja o mais velho entre o grupo. O diálogo entre eles começou e não entendi nada, todas as palavras eram carregadas e acentuadas. O que está acontecendo aqui? Eu respirei fundo e decidi tentar levantar, a areia começou a ser incômoda. Ambos ficarão quietos, olhando as tentativas constrangedoras e falhas.

Eu estava grata por usar um vestido que cobrisse as pernas, assim não chamaria mais atenção indesejada. O tecido branco tinha um ornamentado trabalho rendado, foi presente e adorei a delicadeza da peça. As mulheres não esconderam o encanto quando viram, admito ter sido engraçado e divertido. O homem que rastejava sorriu com deslumbramento, isso se refletiu em meu rosto vermelho.

Eu fui empurrada com sutileza, o indício silencioso de que deveria segui-los para onde quer que eles fossem. Meu cérebro apitou um alerta de ameaça em potencial. O que garante que são confiáveis? Em contrapartida a esses pensamentos de autopreservação, havia uma parte de mim que sabia que não havia muitas alternativas. Eu nem sabia onde estava, além de não falar o idioma local.

Eu caminhei lentamente, sendo seguida de perto pela multidão de curiosos. Odiei toda atenção que recebi, era como ser um animal e estar sendo exibida em praça pública. O rapaz ao meu lado percebeu e gritou algo que fez as pessoas recuarem, elas sumiram rapidamente e deixaram rastros de pegadas. Agora tinham somente quatro homens, aqueles que tinham semelhanças físicas. Eu apenas queria voltar para casa e esquecer esse pesadelo.

- Obrigada - Murmurei grata pela atitude do garoto, ele parou de rastejar e me olhou de maneira atenta - Obrigada - Repeti, ele acenou e pareceu surpreso, mesmo sem entender as minhas palavras.

Enviada pelos deuses - Ivar, o desossado Where stories live. Discover now