Wash Over - Carla & Samuel

1. Sete Anos Depois...

[Carla]

Sete anos se passaram, e cá estou eu de volta em Madrid. Desde que parti, não tive coragem em voltar. Seja em aniversários, natais, o que for, as dores das lembranças foram maiores. Agora, papai sofreu um AVC. O médico me ligou, dizendo que poderiam ser os últimos dias dele, já que seu estado era grave. Imediatamente, fiz as malas e vim para a Espanha. E agora, estou eu, antiga mansão Rosón Caleruega, nada mudou. Ah, os móveis, a disposição, mas as pessoas sim. 

Cheguei ontem a tarde, e fui direto do aeroporto para o hospital ver como meu pai estava. Ele está bem, estável, no entanto deve ficar mais algumas semanas no hospital. Fiquei até a noite com ele, mas acabei dormindo na cadeira, e ele brigou comigo para que eu fosse para casa dormir. Para não estressa-lo, eu fui embora, e ao chegar em casa, deitei em meu antigo quarto e apaguei. 

No dia seguinte...

Os raios de sol quentes invadem meu quarto através da janela, que estão com suas persianas abertas. Tento virar para o lado, mas acabo acordando. Me levanto, e sento na cama, coçando os olhos. Me sinto suja, afinal, vim direto do hospital, e nem tomei banho. Vou em direção ao banheiro, tirando minhas roupas, e ligando o chuveiro com uma água fria para poder despertar. Lá embaixo, é possível ouvir certas vozes conversando, provavelmente a mamãe conversando com os parentes do papai preocupados com a sua saúde. 

Em alguns minutos, termino meu banho. Me enrolo em uma toalha, e enrolo em meu cabelo. Saio do banheiro, e me arrumo, secando o cabelo, e colocando uma roupa confortável. Meu estômago ronca, e lembro-me do café da manhã, que provavelmente já deve ter sido servido, pois já se passam das nove e meia da manhã. Ao descer as escadas, um rosto conhecido me surpreende. 

— Ah, ai está ela. Olá, Carla. — O pai de Lu e Valério está sentado, conversando com minha mãe.

— Senhor Montesinos, quanto tempo. — Vou ao encontro dele, dando um beijo em sua bochecha.

— Exato. Nossa, como você mudou. Sete anos passam voando, né? — Ele solta uma risada simpática, olhando para mamãe.

— Ele estava me dizendo que Lu está para vir para Espanha, querida. Não é um máximo? 

O sorriso em meu rosto se desfez. Lu vir significa que provavelmente Nádia também virá, ou seja, quanto mais pessoas de minha época da escola, mais lembranças ruins terei. Lembranças essas que me fizeram ir embora.

— Ah, que legal. Uma pena que logo logo terei que voltar para Londres, afinal a filial da adega está rendendo muito trabalho, e eu como chefe não posso tardar o meu retorno. — Mentira! Era tudo uma desculpa para não enfrentar o passado. 

— Uma pena mesmo. Mas bom, quem sabe vocês não voltam para alguma festividade, não é, Beatriz? — Minha mãe assente. — Bom, preciso ir. Obrigado, Beatriz, e foi um prazer revê-la, Carla. 

Minha mãe se despede, e retorna para a mesa. Reviro os olhos. 

— O papai poderia melhorar logo para que eu pudesse voltar logo. Não posso abandonar todo o meu trabalho. — Resmungo. 

— Carla, por favor. Você não vem para Madrid há sete anos, somente eu e seu pai vamos visita-la. Aproveite esse tempo. Por que você não vai ver seus amigos? Vai visitar a escola? O Samuel está trabalhando numa empresa nova que abriu ano passado. Marque de visita-lo. 

Samuel... O motivo número um de eu não querer voltar para cá. O motivo de eu fugir como uma covarde para Londres. É como se tudo voltasse, as memórias daquela noite retornassem.

— Não... Eu vim para cá por conta do adoecimento do papai, e esse será o único motivo pelo qual eu ficarei aqui. — Volto para meu quarto. 

Deito em minha cama, fitando o teto e esvaecendo minha mente com fúteis pensamentos. Sem perceber, acabo dormindo novamente. Acordo pouco antes do almoço. Mamãe está se preparando para ir visitar papai no hospital, e eu aproveito e vou junto, após o almoço. Passamos a tarde lá, conversando, assistindo a pequena tela do hospital. Perto das seis da tarde, me levanto para comprar algum lanche na máquina de snacks. 

— Carla? — Uma voz familiar me chama, colocando sua mão em meu ombro.

— Begoña! Quanto tempo. — Sorrio simpática, e dou um beijo no rosto de uma das mães de meu falecido ex-namorado, Polo. 

— Quantos anos que eu não a vejo. Conversei com sua mãe no Natal do ano passado, ela me disse que você estava em cativeiro em Londres, que não saia de lá para nada. — Ela solta uma risada simpática. — Como você está? Você está linda, mudou muito. 

— Estou bem. A senhora está ótima também. E como está a Andrea? — Pergunto.

— Muito bem também. Ela sente muita falta do Polo, mas quem poderia culpa-la? Ele foi nosso único filho... Pelo menos até dois anos atrás. Adotamos uma criança. — Seus olhos marejaram. 

— Sério? Que incrível. — Demonstro surpresa. — Fico feliz, vocês merecem. Claro, ninguém poderá substituir o Polo, mas... 

O Polo... Meu primeiro namorado. Namoramos por em torno de cinco anos seguidos, desde os doze anos. Infelizmente, após um acidente causado por Lu, Polo morreu em nossa festa de formatura no teatro Barceló. Eu fui cúmplice, ajudei a encobrir as provas e os acusados, assim como todos os outros presentes ali. Mas nunca contei para as mães dele, não teria essa coragem. 

Troquei mais algumas palavras com Begoña, até que me despeço e volto para o quarto de papai, que está se preparando para dormir. Mamãe e eu nos despedimos, e retornarmos para casa.

— O que acha de jantarmos naquele restaurante que você adorava ir? Para comemorar sua volta. — Mamãe perguntou.

— Por mim, tanto faz, mamãe. Mas vamos, preciso arejar a cabeça. 

Subo até meu quarto, me arrumo. Coloco um vestido, um pequeno salto e brincos de cor preta. Em torno de uma hora depois, chegamos ao restaurante. O recepcionista nos levou a nossa mesa. 

— O garçom já vira atende-las. Com licença. — Ele diz, se retirando. 

Em poucos segundos, o garçom chega. Meio atrapalhado, ele entrega o cardápio para mamãe, e em seguida para mim. 

— Boa noite, senhoritas. O que vocês desej... — Ele interrompeu. — Carla? 

— Samuel? — Digo, surpresa e sem reação.

Continua...