A Árvore de Ava

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Ava estava feliz naquele dia, o seu pai havia encomendado mais cinco livros de presente de aniversário para ela. A pequena menina podia ter tudo: bonecas caras, um celular chique, roupas legais, mas o que ela gostava mesmo era de ler debaixo de sua árvore.

A árvore não gostava quando Ava a chamava de sua, Emarin tinha uma forte personalidade. Apesar de tratar muito bem toda a família Jensen, Ava era sua favorita. Eu sempre achei que era porque a menina era a única que dava a devida atenção para a macieira. Os pais adotivos não ficavam muito tempo em casa, eram cirurgiões de sucesso, e por mais que respeitassem Emarin, eles compartilhavam da ideia da maioria das pessoas de que ela era apenas uma árvore.

Eu mesma, que morava do lado da casa deles, não conversava muito com Emarin, era melhor assim. Nunca tinha gostado muito de árvores, meus gatos sempre ficavam presos em cima de suas copas. Uma inconveniência, é isso que elas eram. Mas eu ficava na minha, nunca fui de insultar os outros gratuitamente, ainda mais aqueles abençoados por Menedin, o deus da vida.

Eu estava no meu jardim, tomando margaritas quando vi Ava se sentar debaixo de Emarin com um livro na mão. Eu não estava muito perto, mas já havia visto esse livro em sua mão várias vezes: "Alice no país das maravilhas". Eu achava que combinava com a criança, sempre avoada, sempre sonhando.

– Boa tarde, Emarin. – ela disse.

– Boa tarde, Ava, o que você tem para mim hoje? – a árvore respondeu. Sua voz era grossa, mas ainda feminina.

– Eu trouxe Alice de novo, sei que você gosta dela.

Eu suspeitava que a árvore não se importava muito com qual título seria lido, mas gostava da companhia.

– Comece a ler, minha querida.

– Você sabe o que tem que fazer, me dá uma maçã, que eu leio para você.

Elas tinham esse pequeno acordo há um tempo. Emarin estendeu seus longos braços de madeira e puxou uma fruta, em seguida depositou-a na mão da menina, que deu uma mordida, antes de começar a recitar o livro.

Eu escutei as aventuras de Alice durante a tarde inteira, percebendo como as folhas caíam na cabeça de Ava, deixando seus cabelos curtos emaranhados e sujos com a poeira que o vento trazia. Era um sinal da chegada do outono, e eu sabia que Emarin não gostava muito dessa época, ficava cabisbaixa e com baixa autoestima, eu havia percebido isso pois a árvore ficava mais irritadiça, mas nunca a tinha visto ofender ninguém.

Com o passar das horas, Ava começou a ficar cansada, demorando mais tempo entre uma frase e outra, fechando os olhinhos algumas vezes, mas Emarin não a apressava de modo algum, só a presença da menininha já fazia o dia da macieira.

Quando escureceu, Ava fechou o seu livro e deu um abraço em Emarin, que a árvore retribuiu com cuidado para não machucá-la. Eu gostava da amizade delas, era pura e infantil, e aquecia o meu coração.

– Te vejo amanhã na mesma hora, Emarin?

– Eu vou estar aqui, pequena, esperando por você.

Ava deu um belo sorriso e entrou na sua mansão. Amanhã seria a mesma coisa. Eu sentia que deveria sentir ciúmes da minha filha, mas eu perdi esse direito quando a entreguei para a adoção seis anos atrás. Naquela época eu não tinha todo esse dinheiro, e ainda estava me encontrando na vida. Eu sabia que Ava nunca poderia voltar a ser minha, mas quando me casei, procurei por ela. Meu rico marido achou linda essa casa, e eu nunca expliquei por que eu fiz tanta questão de morar aqui. Eu a observava de perto, mas longe, e estava a cada dia mais orgulhosa do que ela estava se tornando.

A Árvore de AvaWhere stories live. Discover now