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Não consigo dormir naquela noite. Tiro um rápido cochilo e acordo perdida e assustada, sem saber onde estou. Fico rolando na cama como um espetinho de churrasco até ficar com fome e decidir me aventurar para um lanchinho às duas da manhã.
Quando desço as escadas, dou de cara com a televisão ligada e Bruno ainda acordado. Penso em voltar pra trás mas ele me vê antes disso.
-- Ei! Tá tudo bem? -- pergunta.
-- Hmm.. tá. -- digo, morta de vergonha.
-- Não consegue dormir, né?
-- Não.
-- Nem eu.
Ficamos em um silêncio estranho por alguns instantes e Bruno, encarando a TV, quase parece esquecer que estou ali parada na escada. Então diz:
-- Pode sentar aqui se quiser. Nesse horário tem reprise de séries antigas. Eu era amarradão na Família Addams original.
-- Na verdade eu ia pegar alguma coisa pra comer.
-- Claro. Fica a vontade, a casa é sua.
Ele percebe o que diz e começa a rir. A risada se transforma em gargalhada, e percebo tarde demais que o riso dele é mais desespero que graça.
Não sei o que fazer. A gente nem se conhece.
Dou meia volta e retorno pro quarto.

-*-

Bruno ainda está dormindo quando acordo no dia seguinte, todo torto no sofá. Por um lado, isso me deixa aliviada; depois da crise de riso nervoso de ontem, não sei se estou totalmente apta a lidar com ele agora. Eu mal dou conta do meu próprio pânico, imagina o de um marmanjo.
Por outro lado, estou vivendo o pesadelo da minha adolescência chamado "dormi na casa de uma amiga e fico esperando ela acordar porque não sei nem onde ficam os copos". Exceto que em vez de amiga, é meu marido de aluguel, e em vez de visita, eu agora sou hóspede pelas próximas duas semanas.
Talvez eu deva descobrir onde ficam os copos. Não posso depender de Bruno para tudo até eu conseguir ir pra casa.
Vou na pontinha dos pés até a cozinha e tento encontrar o básico pra fazer um café da manhã. Consigo encontrar os talheres e pratos, e tem um copo no escorredor. Mas onde diabos esse cara guarda a chaleira? E o coador de café? Ou, melhor ainda, o pó de café?
A organização dos armários daquela cozinha não faz o menor sentido. Por algum motivo tem panelas no armário sobre a pia e produtos de limpeza embaixo. Não consigo encontrar um saco de pão, mas acho um balde e um estoque desnecessário de lustra-móveis. Pelo menos as coisas que estão na geladeira são coisas que deveriam estar ali. Acabo comendo uma maçã e bebendo água porque não consigo achar mais nada.
-- Bom dia! -- ele me surpreende ao entrar na cozinha, e quase engasgo com a maçã -- Puta merda, minhas costas!
-- Bom dia!
-- Você fez café? -- pergunta, como se fosse uma dinâmica nossa de todos os dias.
-- Não, eu não sabia onde estavam as coisas.
-- Ah, claro, desculpa.
Ele abre o armário do outro lado da cozinha e pega a chaleira e o coador de café no mesmo lugar onde ficam os copos. Depois abre uma gaveta de onde tira um saco de café preso com um prendedor de roupas. Sinto uma veia pulsar em cima do olho e me pergunto quais são as chances de eu aguentar quinze dias em uma casa organizada por uma criança de cinco anos antes de surtar.
"Não é sua casa, Sabrina, fica na sua".
-- E aí, vai fazer o que de bom hoje? -- Bruno pergunta, naquele mesmo tom bizarramente informal como se estivéssemos curtindo férias, e não enclausurados.
-- Sei lá. Lavar roupa, provavelmente. -- digo, e mentalmente completo "se eu conseguir achar o sabão em pó". -- E você?
-- Trabalhar. -- a chaleira apita e Bruno começa a coar o café. Só o cheiro já me renova -- Taí a única coisa que não vai mudar pra mim. Eu já tava acostumado a trabalhar de casa mesmo, não vai mudar muito minha rotina.
-- É mesmo. -- respondo, só pra poder falar alguma coisa.
-- E você?
-- Eu o que?
-- Você trabalha, né? Como que vai ficar?
Sinto o rosto arder e fico feliz que ele esteja de costas.
-- Eu sou autônoma. -- respondo.
-- Ah, sim, então é mais fácil. Você vai ter como trabalhar enquanto tá aqui?
Coro ainda mais.
-- Eu ainda não, hm, vi isso direito.
-- Pode ficar a vontade, viu. Eu tenho até um computador antigo se você precisar, ele não é lá essas coisas, mas funciona. Mas falei sério ontem, essa aqui é sua casa agora, pelo menos no papel.
-- A gente casou com separação total de bens. -- brinco e ele ri, me trazendo meu café.
-- Verdade. Mas o que a COVID uniu, a lei não separa.
-- Bate na madeira.
Ele corre do outro lado da cozinha e bate três vezes em um dos armários. Então se estica em uma espreguiçada longa, estalando os ossos da coluna tão alto que parece que vão partir ao meio. Bruno pega o próprio café e fala:
-- Vou tomar um banho antes de começar o dia! Aviso a hora que liberar o banheiro.
E sai.

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Oi, gente!
Esse capítulo foi bem curtinho só pra eu dizer oi e tentar me readaptar. Estou viajando e escrevendo pelo celular, então relevem os erros, tá?
Espero que tenha dado pra matar a saudade, e também que eu não demore muito pra voltar!
Beijos
Lari

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