PRÓLOGO

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Este lugar tem cheiro de mijo e cecê acima do odor forte de água sanitária.

E sangue.

Ou, talvez, este último não seja exatamente intrínseco ao local, mas à umidade que sinto sob meu nariz, escorrendo languidamente até minha boca e me permitindo sentir o leve sabor ferroso entre meus lábios.

Há uma dor aguda e pulsante nas minhas têmporas, que vez ou outra me faz pressionar as pálpebras mais fechadas ainda e franzir o nariz. A luz ofuscante nesse cômodo frio e estéril não ajuda. Nem o barulho alto de ronco, ou o baixo, mas distinto, de choro. A sensação do concreto gelado sob meu corpo ajuda um pouco, mas não chega nem perto de ser suficiente.

Ao inspirar fundo numa tentativa de controlar a enxaqueca, descubro que parte do cheiro fétido de suor vem das minhas próprias roupas, misturando-se ao álcool que exala da minha pele.

Meu raciocínio é lento ao tentar lembrar onde estou. A superfície dura e estreita em que estou deitado não me dá nenhuma indicação óbvia. É somente quando ouço uma voz grossa e severa chamando meu nome que resolvo abrir os olhos e checar por conta própria.

As paredes são de um cinza claro, e o cômodo retangular é inteiramente cercado por um banco contínuo acoplado. Estou acompanhado de pessoas que nunca vi na vida.

Um homem gordo de regata branca, tatuado e de cabelos longos e pretos presos num rabo-de-cavalo baixo e cavanhaque dorme sentado, com a cabeça reclinada para trás. É dele que vêm os roncos. Um garoto loiro com um blusão de futebol americano vermelho e rostinho liso de quem estuda numa escola particular preparatória choraminga num dos cantos. E um outro homem está deitado no chão no lado oposto ao meu, e mesmo de longe sei que é dele o cheiro de xixi. Ele está vestindo trapos e tem a pele do rosto e dos braços suja de algo que se assemelha muito a graxa de sapato.

Este último me encara com olhos esbugalhados, parecendo cantar baixinho um jingle antigo de uma propaganda de farmácia dos anos 90 enquanto se agarra a uma camisa velha e suja.

Nada disso faria sentido se não fossem as grades que cobrem toda a lateral de uma das paredes.

Uma cela de detenção.

Que não tenho ideia de como vim parar.

Jason Broker – o guarda repete no portão, um homem negro, alto e grisalho, impaciente desta vez. O emblema da LAPD* brilha no seu peito. – Está achando o banco confortável, garoto? Vamos lá, não tenho a noite toda! Ou prefere ficar aqui?

– Como... – balbucio enquanto tento me sentar, parando imediatamente quando minha visão embaça e começa a girar, e diferentes tipos dores percorrem meu rosto, minha testa, meu nariz, meus olhos. Fecho-os, engolindo em seco ao apertar as bordas de concreto numa tentativa de me estabilizar quando a tontura ameaça me derrubar. – Uou.

– É, com certeza vai ser pior amanhã... Vamos, já assinaram a papelada para te liberar.

Me levanto, por fim, poupando um último olhar aos meus companheiros de cela. Sigo o guarda por um corredor ainda mais iluminado que onde eu estava, então cubro meus olhos com uma mão como um vampiro evitando o sol.

Chegamos a uma espécie de sala de espera ampla com algumas poucas cadeiras e um balcão onde uma policial – uma jovem negra de coque apertado que suga um copo de café como se fosse sua única fonte vital – atira uma prancheta com alguns papéis. O estalido do objeto contra o granito é como uma agulhada direto no meu lobo frontal, e reprimo a vontade de estremecer. Procuro alguém conhecido ali, mas a sala está vazia, exceto por um vulto de cabelos castanhos de saída pela porta giratória, que logo roda até que, do lado oposto, um rosto familiar surge.

TÍTULO (EM BREVE) Where stories live. Discover now