Um medroso.

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E então eu estou dormindo... Estou? É. Estou.

Forte, cansada, totalmente derrubada, as últimas noites foram horríveis e finalmente posso fingir que nada está acontecendo, fingir que adormeci a menos de um minuto e pensar que tenho uma noite incrível de descanso como daquela vez que ficamos tanto no pula-pula que acabei dormindo quando parei quieta.

Ross me acordou na manhã seguinte com três pulões.

Não faz mal, todo meu medo pareceu ter desaparecido quando cedi e todos os sentimentos ruins também. Estou tão leve, não tacaria meu chinelo nas costas do Ross de novo. Não sei nem com o que estou sonhando, se é que estou, mas tô sabendo que estou dormindo.

E isso é um tanto diferente.

Estou dormindo? É. Acho que estou.

Como se nada me preocupasse no mundo, um bebê em um sono calmo que espera não ser acordado a não ser para se alimentar. Se eu acordar, vou chorar. Estou tão confortável, mamãe entenderia, eu aceito ficar desse jeito pra sempre se me fizesse uma proposta.

Eu aceito.

Nunca voltar. Não olharia para trás, é um lugar onde mamãe gostaria que eu estivesse — mesmo que eu sinta falta do Solomon, ele iria se apegar a meu pai que o dá atenção no mesmo nível —, acho que estou bem, de verdade, para deixá-lo e todos que eu amo pra trás.

Por que é só um sonho.
E não tem nada com que se preocupar.
Obrigada.
A quem agradeço?
Ao monstro.

Acordei naturalmente quando meu pensamento focou na criatura, pelo meu azar. Meu coração acelerou e me arrepiei bem como aconteceu durante nosso encontro. Não posso continuar fingindo, não posso continuar dormindo.

A escuridão domina.

Mas não posso pensar em deixar tudo pra trás, não consigo entender por que sequer cheguei a ficar feliz pensando nisso, pensando em ceder por sentimentos bons, sentimentos passageiros.

Sentimentos bons... como se eu tivesse forças para isso. Só consigo me sentir amargurada por ter falado aquilo pro Ross.

Mas eu falei? Ou não?

"Essa noite eu não vou!" Minha voz me estapeou.

Eu realmente esqueci de rezar, Ross, teria feito com a maior vontade se não estivesse pensando no seu motivo de estar no hospital.

"Você não precisa viver isso!" Ross gritou.

Eu quero morrer, eu quero não pensar mais nisso, eu quero mesmo estar morta; e de verdade. Não de mentira, de verdade.

— Me desculpa — Soltei, ao choro, me agarrando a coberta. — Eu não poderia deixar você pra trás, todos vocês pra trás...

Esse é o meu pedido de desculpas por ter sido uma idiota com você. Mesmo que não esteja na minha frente, mesmo que a criatura me prenda e me machuque...

TEK.

A criatura arrancou minha cabeça com os dentes afiados, num arranque em minha direção. E continuo viva. Pensando nele. Em como salvá-lo mesmo sendo uma cabeça rolando até o estômago do monstro. E então percebi que ainda tinha corpo. Ainda tenho minha mente, que é muito menos inteligente do que a do meu amigo, mas o suficiente para entender que eu não deveria conseguir pensar.

Eu acordei de verdade.
Eu estou viva.
Eu acho.

Esse lugar é traiçoeiro.

Já não estava dentro daquilo, estava novamente agarrada ao cobertor. Ousei abrir os olhos, com muito esforço, pensando que se não estivesse no conforto da minha casa, qualquer outro lugar que acordasse seria amedrontador. É óbvio que não estou em casa, tenho medo de pensar no que realmente está lá; se é o meu corpo sem vida ou apenas uma Annie dorminhoca.

Acorde: Annie (Livro 1 de 3)Where stories live. Discover now