Capítulo VII

45 7 69
                                    

Dínamo avançou, andando por uma ruela estreita que atravessava pelo meio das casas e dos pátios murados pertencentes aos habitantes da aldeia.

A certo ponto da rua, umas escadas estreitas, de pedra, sem corrimão e com degraus desnivelados, juntavam-se à parede da casa. Foi por aí que o rapaz subiu e, ao chegar ao cimo, empurrou a frágil porta de madeira clara, que dava para uma pequena arrecadação onde já antes estivera.

Entrou na sala sem janelas e logo um cheiro adocicado chegou-lhe ao nariz. Era demasiado doce e enjoativo, como a fruta demasiado madura, e começou a invadir-lhe as narinas de uma forma quase intrusiva.

Olhou em volta, mas não via nada. A porta atrás dele fechara-se e a pouca luz que ainda entrava vinha da frincha por onde alguns ratos incautos passavam. Piscou os olhos, para se habituar à escuridão, e só aí começou a ver os contornos de alguns objetos. Ao contrário do que acontecera da última vez que lá fora, os poucos barris existentes estavam cheios até cima de vegetais e arrumados nos cantos e no chão não havia batatas ou cenouras sujas de terra, já meio roídas pelos bichos que ali habitavam.

Avançou lentamente, até que chocou com um barril, que de imediato caiu para o lado, fazendo os alimentos que continha rolarem pelo chão.

Atrás dele, estava alguém, que se virou rapidamente para ele. No lugar dos olhos tinha duas pedras preciosas que pareciam alumiar a sala com a sua luz arroxeada. Olhando com atenção, poder-se-ia constatar que eram verdadeiramente os olhos da criatura agachada no chão.

Esta levantou-se e começou a avançar para ele, fazendo Dínamo avançar para trás. O rapaz começou a ver tudo a andar à roda, não sabia se por causa do cheiro se pelos olhos que o hipnotizavam, maravilhavam e assustavam. O odor sufocava-o e, por mais que quisesse fugir a correr dali, parecia-lhe que não conseguia controlar os seus próprios movimentos. Fechando os olhos, tombou no chão e num último esforço contra o que quer que fosse que o deixava assim, entreabriu os olhos. A última coisa que viu foram as duas ametistas a olhar intensamente para ele e um corpo feminino debruçando-se sobre ele, o mesmo corpo que enquadrava as pedras preciosas. Depois, tudo se tornou escuro e nada mais conseguiu ver com clareza, pois a sua mente vagueava num qualquer sonho infantil.

***

Quando voltou a abrir os olhos, Dínamo estava deitado numa cama muito confortável e uma mulher de cabelos negros e olhos azuis como o céu da noite punha-lhe na cabeça panos embebidos em água fria, vindos diretamente de uma pequena bacia encastrada na parede, cheia até cima por causa das toalhas que repousavam lá dentro.

O rapaz não sabia como tinha ido lá parar. Sentia apenas as pestanas pesadas. O seu corpo suplicava-lhe que dormisse, mas ele não queria e mantinha, a custo, os olhos abertos. Todo o seu corpo estava dormente, como se a única coisa que permanecia acordada nele fosse o próprio pensamento e um formigueiro constante que lhe percorria toda a pele. Para além disso, estava quente, muito quente, e se não soubesse que não, diria que estava a ser queimado cruelmente como um condenado à morte.

Sabia que tinha sonhado antes, mas não se lembrava com o quê. Na verdade, não se lembrava de nada, tudo se lhe escapara, tal como aconteceu àquele seu curto momento de lucidez.

Quando voltou a acordar, não fazia ideia de quanto tempo se passara. A mulher continuava ali, mas desta vez, sentada na cama, apenas contemplava com um olhar preocupado o rosto da criança, iluminado pela luz difusa da pequena candeia a azeite atrás dela. Sob os olhos da desconhecida, viam-se agora grandes olheiras e parecia mais cansada do que antes.

Quando a senhora reparou que o seu paciente já tinha acordado, abriu um sorriso doce e, debruçando-se sobre ele, fez-lhe uma festinha na cara e declarou, numa voz que demonstrava bem o seu cansaço, mas também o seu alívio:

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jan 09, 2022 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

A Dama dos CorvosWhere stories live. Discover now