Capítulo 01 '' Traição"

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       Com o decorrer dos meses percebi que o jornal era uma espécie de oráculo maldito de um futuro provável . Minha vida literalmente estava indo pelo ralo, deslizando esgoto a baixo.
Meses e meses em brigas judiciais, sem sucesso. E para aumentar à minha falta de sorte, John era um excelente advogado, encarregou-se cuidadosamente de não falhar em seus planos. Eu não mudaria nada recorrendo judicialmente. Todo o meu dinheiro foi parar nas mãos sujas da Emilly. Após o falecimento do meu pai, John assumiu a frente dos negócios. Fomos casados por seis anos, até descobrir que meu dinheiro e meus sonhos foram reduzidos a pó. Os sonhos ajudam a suportar as decepções, quando eles desaparecem ou deixam de existir, despencamos em um abismo escuro e solitário.
Depois de ser expulsa de minha própria casa, aluguei um apartamento pequeno em Roterdã. Mas os gastos com advogados e processos, me custaram caro. Enviei quarenta e quatro currículos para empresas locais, tentando encontrar trabalho. Mas, quando temos à nossa foto estampada em todos os jornais ao lado dos anúncios de estercos bovinos, móveis usados, funerárias, e empresas de caça fantasmas, por algum motivo às nossas chances de obter resultado diminuem. Como não podia mais pagar o aluguel do pequeno quarto e sala em Roterdã , tive de me mudar.
       Restavam-me apenas dívidas com advogados, três malas, alguns objetos de baixo valor e um portaretratos antigo. Uma foto para eu jamais esquecer a garota que um dia fui.
Não tive irmãos, Emilly tornou-se uma irmã devido aos longos anos de amizades, confiável e dedicada, até descobrir que não passava de uma falsa, dissimulada. Ver o nome da empresa do meu pai exposto de forma tão baixa e humilhante me destroçou! Uma vida dedicada a construir um nome estável e confiável para a corretora, e tudo se desfez naquele escândalo vulgar.       Entreguei o apartamento em Roterdã e mudei-me para à periferia de Amsterdam, numa espécie de abrigo para pessoas com pouco dinheiro, quase nada. O quarto cheirava a mofo, as paredes estavam pichadas com desenhos obscenos, a iluminação era pouca como em filme de terror. Igualmente à minha vida , que cheirava a trapos velhos e restos de felicidade. Ao menos, o aquecedor mantinha a temperatura necessária para enfrentar aquele inverno de dez graus abaixo de zero. Tudo o que me restava eram as três malas, das quais teria de ir me desfazendo para pagar a diária da espelunca e a comida em algum restaurante esquecido pela vigilância sanitária.
Um ano depois, minhas condições de vida permaneciam ruins, e eu estava ainda pior. Tomada pelo desespero e angustia, pensei em desistir. Quem notaria se eu deixasse de existir? Certamente algumas pessoas julgariam minha atitude como sendo fraqueza diante da vida. Mas, na situação em que me encontrava, não dava a mínima para opinião de pessoas que buscavam em tragédias alheias uma distração para sua própria infelicidade. Não percebi o quanto eu precisava de ajuda médica. Dormindo pouco, me alimentando mal, e com o níveo de estresse muito alto, não demorou e famosa depressão bateu na minha porta.
Restavam alguns comprimidos soníferos, e eu desejava não acordar mais. Retirei todos da embalagem e enchi minhas mãos. Os dois patifes haviam vencido, eu estava entregue, cansada de insistir, esgotada , e visivelmente magra. No exato momento em que levava os comprimidos à boca, fui interrompida pelo jornaleiro, que empurrava por debaixo da porta o jornal, como fazia de costume. Deixei a taça de vinho ao lado dos comprimidos, sobre à mesa. No meu íntimo, senti alívio por aquela interrupção. Recolhi o jornal, e, para minha surpresa, uma foto de John e Emilly na primeira página anunciava o casamento mais badalado pela mídia nos últimos tempos.
        Ressurgiram ódio, rancor, raiva e a miserável sensação de fracasso. Emilly estava num vestido azul escuro, à altura do joelho, com sandálias elegantes e delicadas, cabelo loiro, liso, caído sobre os ombros e um anel de brilhante bem lapidado, provavelmente comprado com o meu dinheiro. John, muito elegante, vestia terno cinza escuro e exibia um sorriso triunfante. Seus olhos grandes tinham um tom de azul profundo. Sedutor e miseravelmente enganador. É difícil acreditar que durante todo aquele tempo, amei um ladrão trapaceiro, e fui amiga de uma criatura deploravelmente falsa. O que seria dos espertos, se não fossem os idiotas? Adiante.
Naquele momento, o meu ódio tornou-se ainda maior do que à minha tristeza. Ao contrário de desistir, optei por continuar e recuperar tudo aquilo que me fora roubado. A parte positiva de tudo isso, é que eu não tinha mais nada para perder. O bom de não ter nada a perder, é que você vai jogar de uma maneira alucinada. Alguém disse um dia " vale tudo, tanto na guerra quanto no amor. Sem duvida nenhuma quem falou isso experimentava um momento de pura loucura. Ao fim de minha vingança, não restaria pedra sobre pedra. Os dois patifes se arrependeriam amargamente de terem me enganado. Guardei o jornal numa pequena caixa velha, joguei os compridos no sanitário. Durante horas, caminhei de um lado a outro do quarto, imaginando uma maneira de mudar aquela situação desfavorável. Lembrei-me, então, de um velho amigo de meu pai, Paul Scott . Jamais pedi favores antes, mas já não existia nenhum lugar para orgulho, e a dignidade então, tinha o espaço cada vez mais restrito . Telefonei para o Paul, que me atendeu cheio de preocupações.
       Marcamos um encontro num restaurante no Leidseplein, centro de Amsterdam. Sempre soube que à empresa de meu pai era seu maior investidor, a empresa que agora pertencia ao miserável John. Por isso tive de ser bastante discreta. Minha situação financeira estava difícil, precisamente falando, completamente destruída. Aquela altura, eu estava usando amostra grátis de um perfume falsificado. Pior que isso não poderia ficar. Mas por que deixar isso claro? Cuidei um pouco da aparência. Nos piores momentos, lembrava minha mãe dizendo que "só os que nos amam de verdade podem conhecer nossas fraquezas". Traduzindo: use maquiagem, salto, e sorria.

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