Capítulo 9-Bem dele e o nosso...

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O conto você já conhece. Contada para crianças dormirem. Onde o bem sempre vence o mal...

Mas a origem das verdadeiras histórias datam antes do século 10 d.C na França. Sobre dois caçadores e uma criatura obscuramente perversa. E a amizade cheia de segredos não revelados e mistérios assombrados em torno de si.

E a grande moral retirada desta, são que, segredos podem levar a morte. E se desvendados, gerar o caus sagrento e que beiram ao horror inigualável.

O saculejar do grande ombro do homem enquanto me segurava firmemente, fez-me em algum momento entre o término da relva lilás e branca e o caminho de pedras e terra íngreme em direção ao pico da colina, adormecer.

Outros fatores como a brisa sussurante e o barulho iminente do saculejar dos galhos e o coaxar dos girinos, o pequeno e longínquo zunir das abelhas colhendo os últimos polens antes da noite cair junto ao estridular dos grilos brilhantes a espera do poer do Sol, culminaram o suficientemente para que meus olhos se fechassem e não voltassem a se abrir pelo resto do tortuoso caminho de pedrugulhos.

Era apenas eu, de volta à camada gelatinosa em meio a floresta. Um espelho sem fim ou começo. E um reflexo que não era meu, mas andava e caminhava do mesmo modo, com as mesmas expressões de confusões e gestos e tiques nervosos.

A garotinha de capuz vermelho caminhava com uma cesta de piquenique nas mãos e seus olhos curiosos refletiam os meus. Sua boca não murmurava ou sequer movimentava, mas o som de sua voz cobria toda a extensão da floresta soando como uma canção antiga de conto de fadas:

"Pela estrada a fora, eu vou bem sozinha
Levar esses doces para a vovozinha
Ela mora longe, o caminho é deserto
E o lobo mau passeia aqui por perto
Mas à tardinha, ao sol poente
Junto à mamãezinha dormirei contente"

-Quem é você?-perguntei a pequena garota a minha frente, já a apenas poucos passos de distância. Sua voz aveludada e típica de uma criança em formação,de poucos menos de 10 anos, emitia todas as palavras que saiam de minha boca no instante em que as pronunciava.

Franzi o cenho perturbada ao constatar que a garota reproduzia, se não, todos o mini-jestos calculados que fazia, como cutucar a cutícula com um dos dedos ou fechar as mãos em punhos e aperta-los até que suas junções ficassem esbranquiçadas e protestassem contra a falta de circulação de sangue.

-Megan...-susurrou em meio ao silêncio insurdecedor.E a confusão ficou presente em nossos rostos.Não sabia se era essa a sua resposta pois mesmo sem formular as palavras, minha boca já as tinha dito, sem sequer permitir-me controla-lá.

-Eu sou você e você sou eu. O meu reflexo é você e o seu sou eu...Somos duas em tempos diferentes e circunstâncias diferentes...--sussurrou e na mesma hora as palavras saiam sem comando de minha boca.Como se estivessemos ligadas-Sou apenas um espectro mas a alma é a mesma...

-Eu não entendo...-comentei e o reflexo devolveu o mesmo pensamento e comentário feito-Como isso é possível?

E quando toquei o espelho na mata tudo embaçou-se e distorceu-se terrivelmente e como um rio quando pinga uma gota sequer, o reflexo desapareceu.

Senti meu rosto se chocar com algo macio e quente. Sorri deliberadamente, imaginando que logo minha mãe viria me acordar para uma de suas corridas matinais ou algum programa louco de fim de semana ao qual passara meses planejando....mas, ela não veio. Sua voz não acariciou minha nuca e seus braços não esquentaram em um consolo agradável os meus.

Quando meus olhos se abriram apressiando a visão do encosto de um sofá o desespeiro rapidamente consumiu-me. Eu estava bem longe de casa. Longe de meus pais. Longe de meus amigos, agora, mortos. E longe dos serial killers.

No entanto, ainda havia aqueles dois homens que moravam no meio da floresta encantada. Definitivamente, não acreditava em contos de fadas ou histórias assustadoras, mas o portal ao qual atravessará me lembrava a todos os meros segundos, eu não estava enganada. E se ele me salvou daqueles maníacos talvez ouvesse algum propósito.

Fingi dormir por mais alguns minutos ganhando o tempo necessário, antes de perceberem que eu estava acordada. Tempo para repensar como contaria uma narrativa baseada em mentira e distorção dos fatos. Uma vez, assistindo documentários sobre investigação criminal foi apontado que quando se conta uma mentira baseados em fatos verídicos mas dissumilando-os conforme o necessidade, seria mais fácil de repetir a mentira sem devidamente cometer furos. Logo uma mentira dissimulada em verdades e sabiamente contada várias vezes da mesma forma, torna-se uma verdade simulada. 

E eu só precisava chegar a cidade antes do fim de semana acabar e ligar para minha mãe. Ela ficaria furiosa e no entanto, me buscaria mesmo odiando como odeia essa cidade. E talvez eu começasse a entende-la.

Não tive tempo para pensar ou refletir e sentir a dor do luto por meus colegas. Por Thomaz. Por Jenne ou qualquer outro. A adrenalina corria por minha veias e o instinto de sobreviver grita a plenos pulmões.

Antes que tivesse mais tempo de vaguear por mais pensamentos confusos e sentimentos devastados no fundo de minha alma, a porta foi aberta sem nenhum pudor ao meu lado. A porta de acesso de frente da cabana fora escancarada e ventos fortes me fizeram tremer sob a mobília de estampa quadriculada em tons verdes e vermelhos. A presença de alguém se fez presente e logo cadeiras foram arrastada sobre a madeira do chão.

Até então, minha presença não foi notada por esse alguém. Os passos do indivíduo rangiam pela cabana e caminhavam em direção a cozinha americana.

O silêncio empregnado nas tábuas da construção fora bruscamente irrompido com a chegada deste, com os pensamentos incessantes de minha mente e os ventos gélidos que ainda adentravam pela abertura.

-Que bom que você voltou cara...-a voz do moreno,ao qual ainda não havia descoberto o nome, preencheu todo o ambiente rústico com o perfume amadeirado-Eu sinto muito....

Um fungar foi ouvido, quase como de lamúrias e choro. E murmúrios de consolo por parte do moreno vieram a tona.

-Eu estava separando as coisas dela. Você acredita que aquela puta estava morando com aquele playbozinho de merda?-indagou e indignação e remorso preenchiam a pequena cabana-Às vezes acho que ela mereceu o fim que teve, mas...

-Ela mereceu!- afirmou Cris do outro lado do cômodo-Antônio, aquela mulher era uma puta estelionatária! Você merece bem mais...

-Eu não quero acreditar nisso!-afirmou e mais remorso pintava o ambiente, quase palpável e angustiante para se respirar-Como pode falar assim da mulher da minha vida no mesmo dia que foi enterrada?-frustou-se-Christopher, você não tem coração?Porra...

-Eu não quero discutir com você amigo, por causa de uma puta! A mulher não valia o que comia! Então  não! Não tenho coração quando se trata de vadias que distribuem a buceta para quem quiser lanchar! O inferno vai adorar recebe-la...talvez ela entretenha o próprio Diabo...-sua voz era fria e calculada. Sem resentimentos ou qualquer remorso pela falecida.

-Christopher, você está indo longe demais!-argumentou o moreno perplexo e enfurecido, instigado por suas palavras que serviam princiapalmente como desconsolo e descaso.

-Eu não ligo!Antônio está tão cego que não exergar os próprios chifres...

Em seguida uma mistura de socos e móveis se deslocando e protestando pela madeira fez o caus se instaurar na cabana.Mas por apenas poucos segundos, antes mesmo que eu pudesse ter a reação  de me levantar e sair pela porta aberta.

Passos pesados e revoltados passaram pela sala e mais uma vez, sem notar minha presença, foram com o furacão que os trouxe outrora.

-Ele nunca deverá saber. Jamais!- murmúrios lamúriosos preencheram o lugar, seguidos por suspiros frustados-É para o próprio bem dele e o nosso...

O adendo desta, era que, a nossa chapeuzinho vermelho estava perto demais e escutara tão pouco a sua mãe que o caus sagrento e a morte pareceriam levemente apetitosos.

E seus segredos já não eram tão secretos assim...

De volta à Cabana (Disponível Por Tempo Determinado)Where stories live. Discover now