CAPÍTULO II, ÁLCOOL IMPREGNADO

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— Ayla, podemos ir. Mas Jones vem conosco.

— Está doido? Como assim ele vem com a gente?—Eu já segurava seu corpo enquanto oferecia água para que o álcool diminuísse em seu corpo.

— É só até o hotel, amiga. Depois ele vai embora, não se preocupe.

A ideia de ter um homem nos acompanhando até o hotel me confortava ao mesmo tempo em que me preocupava. Mas eu precisava de ajuda para sustentar o corpo pesado de Tadeu.

O caminho até o hotel foi relativamente tranquilo. O táxi conversava comigo em inglês, enquanto os dois homens no banco de trás dormiam abraçados. Quando finalmente chegamos ao hotel, Jones me ajudou a levar meu amigo ao seu quarto e logo em seguida se despediu. Tínhamos ainda uma hora de descanso até pegarmos nossas coisas e irmos ao aeroporto e foi com esse pensamento que eu tomei banho e deitei na enorme cama do hotel. Fechar meus olhos agora só me deixaria ainda mais cansada, então vasculhei o canal fechado da TV a fim de encontrar algo divertido para assistir. Um programa de variedades coreanas me chamou atenção e decidi terminar de assistir. Os apresentadores eu conhecia, mas o convidado especial não. Aparentemente mais um 'idol' para a enorme lista. Não tão bonito quanto Jeon Jung-kook, mas ainda sim bonito. Era no mínimo carismático e sorridente. Estava longe de ser extremamente magro que nem a maioria dos 'idols' e era sem dúvida mais alto que a grande parte deles. Ele dançava e cantava algo inaudível, já que a TV estava baixa o suficiente para escutar até minha respiração, mas ele parecia fazer bem tudo o que foi proposto. A frase 'YE-JUN WINS' brilhava na tela enquanto os demais apresentadores comemoravam a vitória daquele que se denominava Ye-Jun.

Quando o programa acabou, já estava no horário de ir tomar café e partir para o aeroporto. Precisava colocar Tadeu debaixo do chuveiro o mais rápido possível e só assim talvez o álcool pudesse dissipar um pouco de seu corpo. Minha mão pressionava a campainha do quarto 304, e quando a mesma abriu depois de longos 5 minutos de espera, consigo ver um Jones sem camisa do lado de dentro.

— Jones?! What are you doing here?— Meus olhos saltam para fora. Questionar porque aquele homem estava ali não fazia parte dos meus planos, eu pensei ter me despedido dele horas atrás.

— Sorry, I ended up staying. — O mesmo responde em inglês enquanto levanta suas mãos de forma teatral, respondendo minha pergunta sem qualquer desculpa.

Tadeu silenciosamente saiu do banho com uma toalha na cintura e outra secando os cabelos. Para na frente da cama e olha para nós dois. Eram cinco horas da manhã e ainda não tínhamos nos livrado de Jones.

— Vou perguntar em português para apenas você entender. O que este homem ainda faz aqui?— Adentro o quarto a fim de evitar maiores barulhos aos outros hóspedes.

— Como nossa viagem já está quase no fim e eu e Jones nos curtimos bastante, decidimos que seria legal conhecer a Coreia. É novidade para os dois e parece ser um lugar lindo, apesar da homofobia ainda me assustar. Mas sou do Brasil né...

O mesmo ri como se estivesse contando uma piada interna.

— Você só pode estar louco. Em que momento você achou que seria uma boa ideia levar um homem desconhecido à Coreia? Por Deus, Tadeu, estamos trabalhando. Se controle! Dê tchau antes que fique tarde e a gente não consiga chegar no aeroporto.

Com uma toalha ainda em mãos, procurando algo para vestir e com os pés descalços, meu melhor amigo parecia não dar ouvidos ao que eu falava. Ao contrário disso, ele me olhava como se agora eu estivesse contando uma piada. É neste momento que seu semblante que antes parecia cansado de uma bebedeira dá lugar a um rosto sapeca que se comunicava comigo como ninguém. E eu sabia o que aquela cara significava.

Quando sua boca faz menção de dizer algo, minha mão involuntariamente sobe até a altura do rosto como se eu estivesse pedindo silêncio. Eu não queria nem escutar o que viria em seguida. Nem cogitar. Nem imaginar.

— Ayla... A passagem já foi comprada!

E foi desse jeito que dávamos início a segunda parte de uma viagem que tinha tudo para dar certo e incrivelmente estava desandando mais rápido do que nunca.

Sentados na sala de espera do aeroporto, eu, meu melhor amigo e Jones, a paixão insana de algumas horas de Tadeu, que decidiu fazer de sua vida um filme de roteiro duvidoso.

Os dois trocavam carícias discretas enquanto Tadeu mandava mensagens para mim. Na sala de espera eles estavam de um lado e eu do outro, pilhada com todos os acontecimentos e meu melhor amigo sabia disso. Mas finalmente estávamos indo ao nosso último destino antes de voltar ao Brasil para garantir o bom lançamento da nossa série.

Meus antigos papéis, apesar de todos elogiados pela mídia, não conseguiram agradar o público. Eu me questionava se era carismática o suficiente ou se de alguma forma, em algum momento da minha vida, eu havia sido cancelada sem saber. Talvez eu até fizesse mais sucesso sendo cancelada.

Apesar de parecer luxuoso a ideia de viajar para alguns países fazendo a divulgação do meu novo trabalho, aquela era a última oportunidade dada pelos meus patrocinadores. Eu seria cortada dos patrocínios sem nem pestanejar, e infelizmente, um artista brasileiro sem apoio é quase nada. Me restaria apenas a força de vontade de ser alguém. Eu tentava estar o mais convicta possível para que tudo fluísse bem, eu tinha a certeza que minha hora havia chegado. Restava apenas saber se era uma boa hora ou não.

"Estou apaixonado!". É a mensagem que recebo quando viro de frente para Tadeu.

Me pergunto em que momento da bebedeira este homem se deu conta que estava apaixonado. A única resposta para tudo isso é o álcool impregnado em seu organismo. Eu arrumava meu cabelo ondulado e comprido em um coque para que pudesse responder à mensagem. Os dois sentados à minha frente formavam um belo contraste. Tadeu com sua pele preta e os olhos amendoados, abraçava um ruivo de pele branca. Facilmente estampariam a capa de qualquer revista.

"De novo?". É o que respondo. Já sabendo de sua possível indignação, me levanto para procurar uma máquina de café.

A sala de espera estava cheia, com bagagens para todos os lados, algumas pessoas dormiam enquanto esperavam o avião e outros apenas liam algo ou escutavam música em seus fones de ouvido. Na frente da máquina de café havia um rapaz com as mãos ocupadas, encapuzado da cabeça aos pés. Estava frio, mas talvez não tanto quanto aquele homem estava agasalhado. Seu cachecol escondia parte de seu rosto enquanto suas mãos tateavam a máquina a fim de acertar qual botão daria café. Quando ele percebeu minha presença, se virou como se pedisse ajuda e seus olhos escuros e levemente puxados na lateral revelaram sua dificuldade. Ele não  estava entendo a máquina.

Sem perguntar, posiciono minha mão nos botões necessários e aperto a opção que disparava no leitor da máquina, com certeza o café que ele queria, 'Americano'. O copinho foi se enchendo até a borda com o líquido quente e agora todo o cheiro exalava pelo ar. O rapaz prestava atenção nos comandos enquanto se agasalhava cada vez mais. Quando a máquina terminou o processo por si só, ergo o copo em direção ao seu dono. Ao meu lado, o encapuzado curva-se como forma de agradecimento e fala timidamente 'thank you', pega rapidamente a carteira do bolso e deposita uma nova nota na máquina. Ele pagou meu café antes de dar meia volta e ir embora para sua cadeira rodeada de pessoas que prestavam atenção em mim. Com certeza iam todos para a Coreia também.

Eu me preparava para mais algumas horas de viagens e conexões, para finalmente chegar do outro lado do mundo e concretizar os planos de divulgar o maior projeto da minha vida.  Faltavam apenas alguns dias para que tudo tivesse êxito.

Volto então para o meu lugar, antes de escutar a chamada do próximo voo, rumo à Coreia do Sul.

De Norte a Sul, Leste OesteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora