Shaun respondeu que eu poderia usar a vaga disponível sem problemas. Então estava decidido.

Tomei alguns goles do meu café, mas eu não consegui ficar mais ali parado naquela cozinha. Deixei a minha caneca quase cheia em cima do balcão, eu poderia comer algo quando chegasse ao aeroporto. Abri a porta e chamei o elevador que ficava quase em frente a porta do meu apartamento, sendo o único naquele andar. Enquanto ele não chegava, manejei minha mala para fora. Não senti vontade de me despedir da Jessica. Simplesmente tranquei a porta e entrei no elevador. Solicitei o andar da garagem fazendo uma nota mental de enviar uma mensagem para ela assim que eu chegasse ao aeroporto.

Será que ela não tinha percebido o quanto o nosso relacionamento ficou exaustivo? Maçante?

Eu não queria mandar uma mensagem só porque eu me sentia na obrigação de mandar. Eu não queria nem ter que pensar nisso, para começo de conversa. Queria que fosse tudo espontâneo, como era no começo...

Mas espera, não foi bem assim que aconteceu no começo...

Durante os anos, eu me obriguei a esquecer... Mas no fundo eu sempre me lembrava da verdade. Eu nunca tive uma razão para questionar os motivos que me fizeram entrar nesse relacionamento. Então, porque agora esse assunto parecia ser tão urgente em minha mente?

Meu relacionamento com a Jessica. Como eu poderia explicar isso?... Era como a poeira retirada de uma casa inteira e varrida para de baixo do tapete. Foi isso o que eu tentei fazer na época em que resolvemos juntar as nossas coisas e casar. Eu pensei que assim estava tudo bem, que eu tinha a "casa limpa", que as pessoas iam ficar satisfeitas. Então estaria tudo bem, mesmo que eu não estivesse satisfeito.

Por alguns momentos eu realmente esquecia aquela "poeira de baixo do tapete". Esses eram nossos momentos felizes, os momentos que eu realmente me fazia acreditar que eu estava no caminho certo. Meus pais estavam orgulhosos, meus amigos me parabenizavam. "Jessica é uma mulher incrível!", "você é mesmo um homem de sorte", eu ouvia. Como alguém de mente sã não iria seguir conforme o esperado? Eu não podia dizer em voz alta que a beleza dela não me parecia nada especial, que eu detestava o fato de não conseguirmos ter cinco minutos de uma conversa mais profunda, sendo ela tão rasa, durante nossos jantares, eu preferia me calar e somente ouvir ela falar muito animada sobre como uma suposta "amiga" tinha se casado com fulano apenas por causa da fortuna que pertencia ao homem, por exemplo. Eu podia me lembrar perfeitamente desta noite, onde apenas me preocupei em cortar milimetricamente cada pedacinho do bife em meu prato, e acenar com a cabeça, fingindo concordar com todas as atrocidades que ela falava. Não era diferente de quando eu era obrigado a jogar golfe com a família dela. Sendo o sogro tendo me convidado, eu não podia recusar o convite. Poderia jurar que Jessica não desconfiava nem um centímetro de que ele, na verdade, detestava golfe. Era só pisar naquele campo, que Jessica, apoiada em seu braço, começava a que sussurrar seus achismos sobre todos os frequentantes daquele clube. Como eu desprezava essa atitude!! E como tinha aguentado por todo esse tempo? Isso não sabia.

Mas a questão agora era, ainda vale a pena?

[•••]

Coloquei minha bagagem no porta-malas, me certificando de deixar um bom espaço para as malas do Shaun, liguei o carro e manobrei para fora da garagem do meu apartamento.

Durante todo o caminho até o apartamento dele, tentei não pensar em como seriam exatamente esses dois dias. Mas era impossível. É claro, passaríamos a maior parte do sábado separados em diferentes setores, eu na minha palestra e ele no workshop, provavelmente só nos encontraríamos no domingo de manhã, quando descêssemos para comer o café-da-manhã que seria servido como buffet no salão.

I'll Let You In (The Good Doctor)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt