Julgando a Experiência

75 5 0
                                    

Eu sempre fui muito bom com rodas. Skate, patins, bicicleta. Não importa. Eu nasci pra isso. E não estou sendo convencido, só sincero mesmo. Talvez eu devesse ter nascido com rodas. Ou deveria me transformar em uma. Mas, como isso é o mundo real, só posso unir forças a elas.

Não demoraria muito para que eu mostrasse meu talento com algum automóvel. Gosto de chamar atenção com esse dom. Não me reprima, eu sei que todos fazem isso e fingem que não. E, convenhamos, eu sou um cara no auge dos hormônios. Preciso de algo para conquistar minha garota nesse mundo selvagem. Entenda esse meu talento como a minha "dança de acasalamento". É quase isso...nas horas vagas entre sentir o arrepio de adrenalina e querer aquietar o coração.

– Acha que eu deveria me transformar em uma roda? – perguntei pra ela. Uma garota que conheço há algum tempo. Essa não parece a pergunta perfeita para se paquerar alguém, mas... ela já me conhece. Riu do meu bom humor e criatividade, meneando a cabeça.

- Em minha opinião, você está muito bem desse jeito. 

Gosto de gente sincera. Embora as pessoas digam o contrário, a maioria não curte um "sincerão" na vida. Eu sei muito bem o que é isso.

- Quer dizer que vamos sair hoje? – Perguntei, sorrindo feito um bobo. – Você sabe, eu sou um piloto. Posso até te dar uma carona, assim... entende? – Ela riu e me empurrou, descrente da minha artimanha.

- Queria conhecer mais pessoas como você. Otimistas, humoradas. – Comentou, num tom meio sério.

- Mas é claro que você não quer. Já tem a mim. – Fiz careta, porém ela não conseguiu ver de qualquer modo.

- Você me entendeu! – Ela desferiu um safanão gentil na minha cabeça, desarrumando meu cabelo. Na verdade, deve tê-lo arrumado sem querer. – Se arrepende?

Eu sempre espero esse tipo de questionamento, mas não fiquei nervoso por isso. Acho difícil alguém perguntar sem nenhum pré-julgamento ao seu respeito. Pena, desprezo. Eu tinha certeza de que ela não sentia isso.

- Essa palavra é ambígua. Eu vejo pessoas arrependidas, que passam mais tempo pensando nisso do que fazendo algo para mudar. Ou pessoas que não ligam. Tantas categorias... – eu sorri um pouco – ...não consigo me encaixar nelas. Talvez pelo fato de que eu fui a única vítima de minhas escolhas. Mesmo assim, estou fazendo o que posso com o que aprendi com a vida. – olhei para trás, pra ela, e mudei o rumo da conversa – E, neste momento, eu sei que se eu fizer uma dança nas minhas rodas minha enfermeira vai ficar caidinha por mim! 

Comecei a fazer "passos" na minha cadeira, enquanto ela não sabia se ria ou se me parava. Até que eu caí... e não me senti mal. Precisava me adaptar às consequências de meus atos. Arrependimento não mudará o que fiz, mas minha experiência mudou o que eu era. Pra melhor. Então, não. Eu não voltaria atrás. Cheguei onde deveria chegar e amadureci com isso. E ainda tenho minha "dança do acasalamento" no meu novo "automóvel".

- E se eu fizesse uma tatuagem de roda? – Filosofei, enquanto tentava ajudá-la, em vão, a reerguer minha cadeira... de rodas.

Julgando a Experiência (Conto)Where stories live. Discover now