O Último Homem de Stalingrado

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(ATO ÚNICO. CENA ÚNICA.)
 
(Sobe o pano, revela-se um cômodo, uma casa pobre, uma cadeira, uma mesa, um aquecedor ao fundo, um balcão com pia, gavetas e armário, um cabideiro. Sobre a mesa um rádio, um cinzeiro já repleto de cinzas e bitucas, uma foto de uma mulher e uma caixa de fósforos, no armário e gavetas uma lata de comida, uma colher, um abridor de latas, e uma lata grande de diesel, prendendo há uma lâmpada sem lustre que se liga com corrente. Entra um homem, barbado, castigado pelo tempo, frio, tabaco e álcool, ele veste um longo sobretudo surrado ainda com neve sobre os ombros, um velho cachecol, seus cabelos são despenteados e sujos contidos por uma boina que lhe cobre a cabeça, sob o casaco veste simples e escuras calças mantidas presas por suspensórios, uma camisa de malha branca e botas imundas de lama. Ele entra terminando mais um cigarro, acende a lâmpada e apaga o cigarro no cinzeiro. Deposita sobre a mesa uma garrafa de vodca que estava num armário sobre a mesa, retira do bolso um maço de cigarros e também coloca-o sobre a mesa, tira o cachecol e sobretudo e coloca-os no cabideiro. Senta-se e retira as bo-tas revelando meias velhas, remendadas e que não formam par, uma delas já um furo por onde sai o dedão. Abre a vodca e toma um gole direto da garrafa. Vai até o aquecedor tenta ligar sem sucesso, dá uns socos nele e nada de funcionar.)

Merda!

(O homem vai até o cabideiro pega o casaco coloca e senta-se de frente para a plateia e calça novamente as botas.) 

Lá fora faz frio, mas aqui é pior. Lá fora neva mas aqui a solidão é tão densa que eu pode-ria cortá-la com uma faca... Ontem eu vendi o último ferro-velho que eu tinha aqui em casa pra comprar uma última lata de diesel e essa geringonça decide que vai me congelar até a morte.

(Vai até o armário e pega a lata de diesel.) 

Ontem era quase um quilo de ferro, hoje é menos de um litro de diesel... Acho que não preciso mais disso. 

(Ele abre a lata e despeja lentamente na pia.) 

Pelo menos assim não vai ser usado como combustível para aqueles tanques e aquelas malditas máquinas de guerra. Essa é a minha guerrilha, minha luta contra essa guerra imbecil que nós fomos enfiados a contragosto! 

(Ele para no centro do palco e olha a casa.) 

Esse lugar que um dia eu chamei de lar mais parece uma toca, um bunker, um mausoléu. 

(Ele liga o rádio que uma voz diz em russo "O exército alemão se aproxima! O povo unido não será destruído pela ameça nazista, a mãe Rússia não será vencida por esses porcos!" ele abaixa o volume.) 

O exército alemão se aproxima... Meu último amigo, continua a repetir essas palavras dia após dia... Ontem falaram que seria hoje, hoje amanhã... Aqueles porcos nazistas marcham para Stalingrado, cercam Stalingrado, aqueles monstros invadem a mãe Rússia...Nós da periferia sofreremos primeiro. Seremos os primeiros   cair, já posso sentir sua respiração alemã no meu pescoço, suas botas alemãs em meus calcanhares. Talvez se eu ficar aqui, quieto, escondido eles nunca me encontrem... 

(Toma outro gole da vodca.) 

Quieto... Escondido...  Como um rato enfiado num buraco da parede fugindo de uma dona de casa empunhando uma vassoura... Um rato.... 

(Toma outro gole.) 

Um rato.... O camarada professor Stepan Iavevich reduzido a um rato... E assim tem sido desde que me afastaram das salas de aula por ser "subversivo". Disseram que eu não podia ensinar jovens mentes, moldá-las com minhas ideias que " vão contra o partido".... Um rato.... O camarada professor subversivo... 

O Último Homem de StalingradoWhere stories live. Discover now