Marcadas por um Segredo [ROMANCE LÉSBICO] - DEGUSTAÇÃO

3 - Casa de bonecas

Florence não pôde deixar de aplaudir assim que ouviu o insigne dedilhar das últimas notas da sonata. Hannah sorriu lisonjeada pelo apreço que a espectadora pareceu verdadeiramente sentir por sua apresentação. Levantou-se da cadeira do piano e sentou-se no sofá que ficava ao lado da poltrona em que a literata se acomodara. Exalando felicidade. Orgulhosa de si mesma.

— Hannah, eu estou impressionada! — Comentou Florence. — Você é muito talentosa. Talentosa demais para não se apresentar nos mais magníficos palcos pelo mundo afora.

Depois daquele recital exclusivo, ela pouco se lembrava de todo o clima tenso que havia ficado entre elas no dia anterior. E, aparentemente, Hannah também não.

— Que exagero. — Desconversou. — Acho que não foi com esse propósito que minha mãe me permitiu estudar música. Minha avó tocava piano muito bem e mamãe também sabe distrair os convidados.

— Distrair os convidados? — Questionou Florence horrorizada. — Hannah, isso não é como supervisionar a disposição de talheres, encomendar vestidos e ser um espólio para que um marido exiba. Isso é talento. E todos os amantes da música deviam ter a mesma oportunidade que eu tive de apreciar uma apresentação tão impressionante.

Hannah se levantou um pouco tocada pelas palavras de Florence. Era óbvio que ela era diferente e achava pouco uma pessoa se conformar com uma vida comum. Mas, a filha do barão falava como se fosse a pior coisa do mundo viver uma vida como a que lady Louisa, William e até Alexander haviam escolhido viver.

Aproximou-se do parapeito da janela comovida por pensar em Alexander. Os últimos anos da vida do irmão haviam sido de embates com a mãe. Ele se apaixonara por uma mulher de classe inferior em Sweet Lewis e quase chegara a abrir mão de tudo por ela. Por fim, já secretamente doente, havia se resignado ao que se esperava de um marquês.

Se casara com Juliet Dawson, uma mulher que não amava. Porém, ela era a protegida de um duque e, com ela, havia tido um casal de filhos gêmeos. Poucos meses antes de morrer. Mesmo com a confirmação daquela inesperada tragédia, Alexander não se desviara do caminho traçado, não por sua mãe, mas pela tradição defendida por todos os seus antepassados.

— O que há de errado em uma vida simples, Florence? — Questionou depois de girar e apoiar seu corpo na janela fixando suas mãos no parapeito. — Foi a vida escolhida por sua irmã, pelos meus, por nossos pais.

— Para mim não há nada de simples em viver para ser a esposa de um homem. Casar-se, em nossa sociedade, é enterrar completamente a própria identidade. E isso é muito complexo para meu gosto.

— Mas, minha família, meus pais... — Hannah seguiu defendendo a obediência como princípio.

— Você não possui a pretensão de viver uma vida sua, Hannah? —Florence instigou-a. — Acredita verdadeiramente que a razão de sua existência é viver absolutamente a mesma vida que seus pais?

Muito impactada por aquele diálogo, Hannah tentou fugir do rumo que as coisas tomavam. Exceto por Alexander, jamais questionara a soberania de Lady Louisa e, depois da morte de seu pai, até de William sobre sua própria vida.

Era óbvio que sonhara em viajar pelo mundo fazendo apresentações musicais e não em se casar com alguém com quem seguramente não teria nada em comum. Absolutamente nada. Porque nenhum homem jamais havia feito qualquer brasa de calor se acender dentro dela.

Florence fazia parecer que ela era estúpida por fazer a coisa certa. A literata fazia parecer que realmente poderiam haver outras possibilidades para alguém como ela. Não precisava sequer perguntar, para saber que a filha de lady Maggie jamais aceitaria que sua mãe fizesse qualquer escolha para sua vida. Como a irmã do conde permitia sem questionar nem por um segundo.