Cosmos

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     Zoe se conectou com Dante três vezes na vida.

     Na primeira, era outono, e eles não se conheciam ainda. O vento do fim de tarde derrubava algumas folhas no cabelo da menina. Ela, nervosa e trêmula, percorria os olhos com pressa pelas pessoas que passavam. Já dava a hora, e ninguém chegou para ela.

      Ele, concentrado no livro, não olhava por onde andava. O parque não estava cheio, mas as pedras ainda estavam ali para o fazer tropeçar e rolar pela grama. O livro voou para longe, ficando úmido com o orvalho do arbusto próximo ao banco.

      Zoe pegou o livro e ajudou o garoto a levantar. Ele, como agradecimento, lhe presenteou com um sorriso lindo.
Sentaram-se e conversaram por muito tempo.

    Dante era como chá de camomila, garoa fina e bibliotecas. Zoe adorava garoa fina, bibliotecas e camomila.

     A sensação que sentia era de querer que durasse para sempre. De repente, como mágica, ela já não se importava mais com quem deixou de ir ao seu encontro naquele dia.

     Na segunda vez, já haviam se passado outros dois outonos, e não mantinham contato próximo. Dante cursava o segundo período de Astronomia em outra cidade, e Zoe comemorava a aprovação no curso de História da Arte da universidade local.

      A noite estava quente e abafada. No jardim, música agitada e uma versão alcoólica do jogo de Eu Nunca. As bochechas da garota doíam de tanto sorrir.

     A campainha toca. Os passos de Dante são silenciosos enquanto entra no lugar. No rosto dele, o mesmo sorriso já conhecido e adorado por ela. Zoe não esperava que ele realmente voltasse à cidade só por causa dela, mas sentia o coração feliz por ver que o fez.

     O jovem se juntou a pequena comemoração, e o resto da noite se seguiu mais abafada do que estava, na visão de Zoe. No final, Dante não foi embora no começo da madrugada como os outros.

       Ele a levou ao telhado e a ajudou a descobrir o nome das constelações enquanto as mapeava nos braços dela. Contou-lhe todas as suas inseguranças, e em seguida a explicou sobre o Cosmos, e como o enxergava nos olhos dela.

      Dante não era mais camomila, bibliotecas e garoa fina. Ele era labirinto, dedos cálidos e tempestade intensa. E Zoe se encontrava ali de novo, desejando que a conexão fosse infinita, mesmo que não pudesse ajudá-lo diretamente em suas confusões internas.

      Na terceira vez, Zoe se preparava para cursar seus dois últimos semestres da faculdade fora do país. Dante, empregado já a um certo tempo, novamente voltaria para sua cidade natal.

     Zoe, sem nunca ter medo de altura, esperava ser chamada ao vôo pacientemente. Vestia roupas de frio e carregava na mão um livro e uma garrafa térmica com chá de maça. Dos ouvidos, o fio do fone ia até um dos bolsos do casaco.

      Para Dante, assisti-la ler de longe era como ver o seu filme favorito da vida. Você nunca se cansa, e sempre tem a mesma sensação boa de primeira vez.

      Se aproximando, agachou-se ao tamanho dela e acenou, chamando atenção. Zoe sorriu, e tirou os fones. Mas, para a surpresa dela, não se teve muita conversa dessa vez.

      Ele só a abraçou. Segurou-a firme, e deixou que afundasse o rosto em seu pescoço. Ficaram assim por um bom tempo. Em algum ponto, ela conseguiu sentir seus batimentos cardíacos sincronizarem.

      E apenas isto bastava. Apenas com isso, Zoe já poderia dizer que, ao menos hoje, Dante era carinho, promessa e despedida, enquanto também era olhos cansados, saudades.

      O inverno deixava todos dependentes de luvas e cachecóis. Zoe não gostava de ser dependente das coisas, nem sequer das mais simples. Por outro lado, se tornava dependente de Dante sempre que se conectava novamente com ele.

      No avião, a moça não poderia fazer outra coisa além de pensar.

      Apeiron. Termo grego que, na filosofia de Aximandro, indica aquilo que é “indeterminado” ou “infinito”.
Uma, duas, três vezes, mas ele possuía algo diferente em todas elas.

      Talvez, se os seus caminhos se cruzassem de novo, Zoe poderia começar a acreditar em destino.

      Até porquê, quatro sempre foi o seu número preferido.

Destino e todas as suas outras versõesWhere stories live. Discover now