Prólogo

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LISBOA - PORTUGAL

Três anos e meio antes...

Catarina de Albuquerque

Há exatos quatro anos mamãe e papai me deixaram, após falecerem em um trágico acidente de carro. Eu tinha apenas dez anos quando tudo aconteceu, e apesar das lembranças irem e virem como flashes em minha mente, a dor da perda ainda doía muito em mim, dia após dia.

Era difícil pensar que eu não os teria ao meu lado quando concluísse meus estudos, ou quando eu me formasse na minha tão sonhada faculdade de Moda e conquistasse meu ateliê, ou quando eu precisasse de um colo por ter tido meu coração partido pela primeira vez.

Era difícil saber que eu não ouviria mais a gargalhada contagiante do meu papai, ou que não sentiria mais o cheiro da minha mamãe, ou que não conheceria o meu irmãozinho ou irmãzinha que crescia em seu ventre, ou que nós não faríamos nunca mais um piquenique juntos ao pôr do sol.

Era difícil, mas a vida precisava continuar, como o vovô costumava repetir para a vovó diariamente. Pois, por diversas vezes no decorrer desses anos, desde quando vim morar com eles logo após enterrar as pessoas que eu mais amava na vida, eu escutei seu choro baixo, vi sua angústia e seu desespero por ter perdido a única filha. Mesmo que ela fizesse o possível para que eu não a visse naquele estado.

E se não bastasse todo aquele sofrimento, seis meses após o acidente, vovó Leonor foi diagnosticada com câncer no estômago. Por sorte, foi descoberto em estágio inicial e após um ano de tratamento com os melhores médicos e nos melhores hospitais, ela se curou.

Apesar de vivermos confortavelmente, não éramos ricos, e enquanto o vovô Afonso se desdobrava para colocar mais dinheiro em casa e pagar as contas hospitalares, eu me dividia entre a escola, as atividades de casa e os cuidados com a vovó. A cada seis meses ela realizava todos os exames de acompanhamento, e, até então, não havia nenhum sinal de recidiva da doença.

Segundo ela, toda a sua força vinha de mim. Toda a sua luta era por mim. Eu sabia que um dia ambos partiriam. No entanto, por mais que eu conhecesse intimamente aquela dor massacrante, não estava preparada para perdê-los. Eu só tinha os dois no mundo. Eles eram tudo para mim.

Fui forçada pelas circunstâncias a amadurecer antes do tempo. Mesmo tendo sido criada em uma redoma de vidro por meus avós após ter sobrevivido, por um milagre, sem nenhum arranhão àquele acidente, mesmo tendo sido mimada e cuidada ao extremo para que nada me faltasse — ou para tentar suprir aquela falta —, sempre faltaria um pedaço de mim.

Eu não me lembrava de nada daquele dia devido ao estresse pós-traumático. Nos meses seguintes tive alguns pesadelos, mas todos eram muito confusos. Com o passar do tempo eles foram ficando cada vez menos frequentes e eu agradeci. Simplesmente agradeci. Aquele que era para ser um dia especial, o dia em que eu estava completando meus dez anos, foi completamente apagado da minha memória.

Por mais que doesse, eu queria muito me lembrar daquele dia somente até os minutos que antecederam o acidente. Queria me agarrar àquelas últimas horas de vida dos meus pais como se fosse uma tábua de salvação. Era para ser meu aniversário, mas acabou sendo o dia do meu renascimento — e da morte de parte de mim.

Suspirei, tentando dissipar os pensamentos. Eu não me permitia demonstrar tristeza na frente dos meus avós, não queria parecer fraca ou ingrata diante de tudo o que eles faziam por mim.

No entanto, os devaneios sempre vinham com força total nos meus momentos de introspecção. Como agora, enquanto eu costurava roupinhas de todos os estilos para as minhas bonecas na antiga máquina de costuras da vovó. Eu fazia os desenhos com lápis de cor e papel, e depois pegava as sobras de tecido que conseguia com a dona Fátima, nossa amada vizinha, para costurar.

[DEGUSTAÇÃO] Protegida pelo CEOWhere stories live. Discover now