Capítulo 2

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Neil's pov

Debrucei-me sobre a cerca do terraço sentindo o sol bater em meu rosto. O dia amanhecera lindo e cheio de vida. Observando pássaros levantarem voo sobre o campo, mirei meus olhos em uma figura familiar ao vira-los para o pátio. Meu pai marchava até os portais da Welton Academy e eu já sabia que algo nada bom viria por aí. Fechei os olhos e deixei minha cabeça tombar para baixo antes de virar meus pés em direção à saída e descer as escadas em encontro com o temível Sr. Perry.

- Pai, o que está fazendo aqui? - perguntei, fingindo estar surpreso. Eu me inscrevi na oficina de escrita criativa do Sr. Keating e meu pai certamente já ficara sabendo, com certeza desgostoso.

- Neil, você está tentando me desafiar? Já conversamos no início do período letivo sobre você participar do anuário, como pensou que eu aprovaria mais essa? - sem rodeios, me olhando com seriedade, cuspiu as palavras sobre mim, de braços cruzados.

- Papai, eu e os rapazes... - respirando fundo, fiz uma tentativa de convencê-lo.

- Não vim para ouvir suas desculpas esfarrapadas, apenas para informar: você vai deixar essa oficina e se concentrar nos estudos que te levarão à uma carreira digna de um homem – interrompeu a figura que, desde que me conheço por gente, me priva de tudo o que eu desejo, por minha própria vontade, fazer. Suspirei antes de desistir de me pronunciar e assenti com a cabeça baixa.

- Neil, veja bem, você sabe os sacrifícios que fiz para você estar aqui, portanto não decepcione a mim e à sua mãe. Sei que vai me compreender – determinou que eu simplesmente empurrasse goela abaixo suas ordens repousando a mão em meu ombro esquerdo. Com os lábios franzidos, reforcei:

- Sim pai, vou cancelar minha inscrição, foi apenas uma bobagem.

- Muito bem. Bom, já fiz o que tinha que fazer aqui – e partiu, como sempre, sem ao menos perguntar como eu estava.

Eu já devia estar acostumado, mas nunca conseguiria me habituar a insensibilidade de algumas pessoas. Gostaria de não ser tão intenso, mas essa é a minha essência, é o meu mais puro e verdadeiro eu. Se pudesse demonstrar quem realmente sou, o que quero fazer, o que sinto, quem amo - balancei a cabeça em uma tentativa de espantar os pensamentos – com certeza viveria com mais verdade em meus atos. Mas tudo o que sou é um ator qualquer, interpretando um papel que não foi pedido e nem sequer remunerado, em tempo integral.

Carpe diem, eles dizem, mas como se a minha realidade me reduz a uma mera marionete de um teatro sujo e estreito, que me tira o ar e impede de dar aquele suspiro profundo de quem vive plenamente seus atos mais genuínos.

E quanto ao amor? Como posso vivê-lo se tudo o que me ensinaram fazem-me sentir sujo por apaixonar-me. Aceito o meu pecado e vivo assombrando pelo resto da vida ou ne privo de meus desejos e continuo com minha existência sufocante e limitada? Todos esses pensamentos e sentimentos passavam pela minha mente enquanto eu caminhava chutando pedrinhas pelo trajeto, com os olhos grudados em meus pés, ao bando de garotos no pátio principal.

- Vi que seu pai passou por aqui e parecia furioso Neil – Knox levantou-se do banco ao me ver se aproximar.

- Nada de escrita criativa para mim, certo? – ri, sem sinceridade, erguendo as mãos em um gesto de quem não pode fazer nada para se salvar.

Os garotos abaixaram seus olhos em compaixão e decepção por eu ser o único que não recebeu a autorização dos pais para participar da oficina do Sr. Keating.

- Ah, sem caras tristes rapazes, ainda temos a reunião dos Dead Poets, nesta noite, para nos divertirmos! – disse em um tom não tão animado quanto gostaria, deixando transparecer minha profunda decepção.

- É isso aí! – Charlie exclamou erguendo o punho – Vou levar algumas garotas para me assistirem proclamar meus versos geniais improvisados – declarou levantando uma de suas sobrancelhas e apoiando o braço sobre meus ombros.

- De novo Charlie? – revirei os olhos.

- Mas é claro, tanto talento não precisa ser usado para outros fins além de encantar este bando de marmanjos – brincou, entre gargalhadas.

- É Neil, qual o problema? Juro que se eu não ver uma garota em breve sou capaz de me jogar na frente de um carro! – Meeks acrescentou, rindo também.

Todd, que estava calado, como na maioria das vezes, mirou-me na primeira frase, como se realmente se interessasse pela resposta, mas ignorei a pergunta e dei de ombros, assentindo. É claro que não tem problemas garotas estarem em nossas reuniões, eu só não compreendo a obsessão de Dalton com a presença delas. E, na verdade, como poderia se eu nunca tinha me interessado realmente por uma. Mas, ainda pior do que ser incapaz de compreender meus colegas, como alguém poderia me compreender? Até onde eu sei, sou o único desse colégio que se sentia atraído por garotos, secretamente, é claro. Na verdade, por um garoto especial, não qualquer um. O que sentia por Todd era um segredo só meu, escondido por baixo de todas as minhas camadas, enterrado debaixo do personagem de Neil Perry que interpreto diariamente com tanto afinco.

Após muitas conversas e risadas, a luz do sol já era fraca e a penumbra se lançava sobre nossas cabeças. Eu amava fins de tarde, principalmente os que passava com meus verdadeiros amigos em momentos de descontração como este, nos quais os problemas externos não têm espaço, deixando lugar apenas para piadas sujas entrelaçadas com contação de histórias. O Sr. Hager gritava abaixo da entrada principal para que todos os alunos de Welton pudesse se recolher aos seus dormitórios, então eu e os rapazes caminhamos juntos para dentro do que mais parecia uma mansão mal assombrada.

Ao aproximar-se a hora de dormir, o que para nós era apenas o começo de mais uma de nossas aventuras noturnas, vesti meu casaco com capuz e apanhei alguns novos livros de poesia que pegara na biblioteca mais cedo.

- Tente não se atrasar Todd – sorri, batendo levemente com um dos livros em sua cabeça. Ele sorriu de volta por cima do ombro:

- Já estou com tudo pronto, vamos ficar preparados na porta para ouvir o sinal da turma – sugeriu apontando com a cabeça para a entrada dos aposentos.

Sorri mais uma vez, satisfeito que meu colega de quarto se empolgava tanto quanto eu com nosso clube literário secreto. Essa era uma das características que mais me atraíam nele: sua sensibilidade. Tímido, olhando sempre para os pés, com poucas palavras, Todd conquistara minha atenção com sua forma reservada de agir. Sem esforço algum, ele me encantou com seu sorriso sem jeito e seu nervosismo toda vez que eu roçava minha mão, sem querer, na sua ao caminharmos lado a lado. Muitas vezes, sua maneira desconcertada de reagir a certos toques acidentais me faziam pensar se dentro dele existe algum fio de atração por mim, mas é claro que esse pensamento não fazia sentido algum com a realidade. 

Será que ele pensa em mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora