Os curandeiros não usavam bisturis físicos, mas magicamente falando, a exatidão mental e o trabalho com varinhas eram comparáveis.

Hermione havia memorizado diagrama após diagrama da anatomia humana. Aprofundando-se em todos os detalhes que precisava para treinar seus olhos para captar um diagnóstico; peças de quebra-cabeça de informações que tiveram que ser reunidas para identificar o que poderia estar errado.

Então, à noite, ela iria para as masmorras estudar poções com Snape.

Quando ela terminasse a cura e as poções, ela se isolaria em um canto da biblioteca, folheando livro após livro em busca de feitiços úteis para Harry. Até que ela adormecesse lá.

Lentamente, ela se afastou de seus amigos.

Eles estavam todos tão irritados e ainda assim otimistas após a morte de Dumbledore. Havia um fogo de certeza conduzindo-os que Hermione não conseguia acender dentro de si mesmo no início. Quanto mais ela aprendia, mais a sua confiança em relação ao resultado da guerra parecia diminuir. Ninguém mais parecia apreciar o quão difícil era manter as pessoas vivas.

Quando ela não conseguiu compartilhar o otimismo, isso os ofendeu. Ela era amiga de Harry, por que ela não acreditaria nele? Por que ela estava tão determinada a fazer com que todos ficassem com medo? Ela achava que era mais esperta do que eles? Ela não conseguia mais lançar um patrono. Talvez se ela passasse mais tempo praticando seus feitiços de defesa ela deixaria de ser tão mórbida.

Não que não levassem a guerra a sério, mas que a sua perspectiva se estreitava. Foi Luz contra Trevas, Bem contra Mal. A luz sempre venceu. Veja as histórias, veja os livros de história. Sim, algumas pessoas morreriam, mas seria pela causa; uma morte digna. Eles não tinham medo de morrer por isso.

Eventualmente Hermione parou de falar e retirou-se com seus livros. Não fazia sentido notar que os livros de história foram escritos pelos vencedores. Ou que houve muitas guerras no mundo trouxa onde vidas eram apenas mais uma forma de munição; onde as batalhas não significaram nada nem produziram mais do que uma nova lista de baixas; uma nova fileira de sepulturas.

Talvez todos precisassem acreditar nessas coisas, mas Hermione não conseguia. Ela precisava se preparar. Ela se enterrou na cura, nas poções, nos livros até que o Ministério da Magia caiu e a Guerra começou oficialmente.

Depois ela foi levada às pressas para começar a estudar na França. Depois a Albânia, quando a França se tornou demasiado perigosa. Depois a Dinamarca. Então – Áustria? Não.

Teria havido outro lugar antes de ela ir para a Áustria? Parecia que havia uma lacuna. Um borrão. Hermione empurrou o espaço em branco em sua memória. Em algum lugar, em algum outro lugar, ela foi estudar. Onde poderia ter sido? Por que ela esqueceria isso? Ela forçou sua mente em direção ao borrão e era apenas penumbra. Uma luz baixa e dourada emanando de uma luminária, poeira, cheiro de papel velho, seco e verde, e a fina corrente de um colar nas mãos.

Nada mais. Ela pressionou com mais força, mas a memória desapareceu no fundo de sua mente novamente. Ela não conseguia se lembrar de mais nada.

Assim como ela não conseguia se lembrar do feitiço para reparar o tecido mamário.

Ela suspirou para si mesma enquanto seus dedos se afastavam do tecido amarrado.

A falha de sua memória era cada vez mais enervante.

Às vezes ela nem tinha certeza se sabia quem ela tinha sido durante a guerra. Ela se lembrava de si mesma como uma curandeira. Apenas uma curandeira e uma amante de poções.

Em algum momento ela divergiu daquela pessoa e não sabia como ou quando isso aconteceu.

Quando ela se tornou alguém que Voldemort descreveria como perigoso? Uma pessoa que destruiu meia prisão. Quem queimou dementadores e esfaqueou Graham Montague com facas envenenadas?

Manacled | DramioneWhere stories live. Discover now