Capítulo 1

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     A nevasca chegou forte naquela madrugada. Meu pai me pediu que ficasse em casa o dia todo, o que não foi nem um pouco divertido. Todas as minhas amigas haviam comparecido ao festival da neve enquanto eu lia junto à lareira, bebericando o chá que madame Daisy fez para mim. Agora, estava sem sono, olhando os flocos de neve chocarem-se furiosamente contra o vidro da janela de meu quarto, usando uma fina camisola branca de linho que roçava o piso da madeira quando eu andava.

     Papai disse que amanhã será um dia especial, pois um visitante importante vai chegar para tratar de negócios sérios com ele. Meu pai é o prefeito da vila onde vivemos, o que quer dizer que é ele quem tem que zelar pela segurança e bem estar das pessoas que aqui vivem. Por essa razão, vários comerciantes e mercadores chegam para fazer negócios com ele. Esse visitante que está chegando provavelmente é um desses homens de negócio, mas não entendo por que papai me quer em casa quando ele chegar. É frustrante ser a única garota da vila - e a filha do prefeito - a não ir ao festival mais tradicional de Liriel.

     Minha gata, Lana, espreguiça-se aos meus pés e mia, pedindo por comida. Deixo meu lugar na janela e a pego no colo.

     - Está tarde para me aborrecer, não acha, lady Lana? - sussurro para ela, rindo.

     Ela ronrona.

     - Um dia serei uma lady, sabia? Nós duas seremos. Vamos à cidade grande, aos bailes e chás de lá, e todos os rapazes vão implorar por nossa atenção, Lana - olho para ela e beijo seu nariz molhado. - Bem, no seu caso os gatos é que vão cortejá-la.

     Eu sempre quis deixar a vila, nem que fosse por um dia. Queria conhecer a vida na metrópole, ir a eventos sociais importantes e flertar com lordes bonitos. Mas papai diz que meu papel aqui em Liriel é importante, e que nossa vila precisa de mim. Bobagem.

     Vou à cozinha com Lana nos braços e encho sua tigela de leite fresco. Ela agradece com um miado entrecortado e mata sua sede avidamente. É uma linda gata branca de olhos azuis e, quando a ganhei e ela era só um filhote, pensei que havia nascido da neve e que no inverno era ela quem fazia a neve chegar.

     Ouço de repente sussurros na sala de estar e vou até lá nas pontas dos pés.

     Aparentemente papai e madame Daisy, minha governanta, ainda estão acordados, discutindo diante da lareira. Permaneço escutando escondida atrás das escadas de madeira, pois quero saber o que eles conversam tão tarde da noite.

     - Ele é um ótimo rapaz, senhor - diz madame Daisy, gesticulando com as mãos enluvadas. - Posso garantir que não há melhor parceiro para nossa menina, não se preocupe.

     - Não é com o filho dos Bjorgman que me preocupo, Daisy. É com Anna - rebate papai, irritado. - Você sabe como ela é teimosa e impulsiva. Uma gafe dela e tudo vai pelos ares.

     Franzo a testa, tentando compreender aquelas palavras. Bjorgman? Seria a família do comerciante que estava chegando? Por que meu pai estava preocupado com meu comportamento?

     - O senhor a criou bem, senhor Agdar. Anna é uma boa moça e compreenderá que esse casamento é para o melhor.

     Casamento?

     - Vou contar a ela logo pela manhã - ouço papai levantar-se de sua poltrona favorita. - Você deve deixá-la absolutamente deslumbrante, Daisy. Os Bjorgman são exigentes quanto à aparência.

     - Oh, claro - madame Daisy bate palmas. - Anna será a jovem noiva mais fascinante que Liriel já viu!

     - Sim, de fato. Tenha uma boa noite, Daisy.

     - O mesmo para o senhor.

     Cubro a boca com as duas mãos para não gritar. Mal consigo respirar. Assim que vejo meu pai se aproximar das escadas, corro de volta para meu quarto sem fazer barulho e me enfio debaixo das cobertas. Meu coração está inquieto.

     Quando a palavra casamento foi citada pela primeira vez, achei que papai é que estava pensando em se casar - ele parecia tão ansioso! Agora tudo parece de pernas para o ar, completamente sem nexo e sem sentido. Eu completei dezoito anos há apenas um mês e meu pai já quer que me case? Com um Bjorgman, um estranho forasteiro? E a minha opinião a respeito disso? O que sinto não é levado em conta?

     Não consigo impedir que as lágrimas cheguem. Não quero me casar. Não ainda. Não com alguém que não conheço.

     Lana salta em minha cama e eu a abraço, chorando baixinho.

     - Não podem fazer isso comigo, lady Lana - soluço, sentindo as lágrimas quentes escorrerem. - Não vou permitir.



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