Levanto e solto os ombros, balançando a cabeça com olhos preguiçosos. "Não sei, porque isso significa que ela não me ama porque provavelmente não pode, e não porque tem alguma coisa errada comigo."

"Você realmente acredita nisso? Que o jeito que sua mãe te trata é porque tem algo errado com você?" Erica pergunta, mas ainda mantém sua voz suave.

Sinto um leve aperto no peito com essa pergunta e minha compostura vacila, eu limpo minha garganta, olhando ao redor da sala e vendo os certificados emoldurados nas paredes e algumas plantas.  "Vamos falar sobre outra coisa?" Eu pergunto, alisando minhas mãos na minha coxa.

"Você se sente desconfortável..." Erica afirma de uma forma compreensiva. "Podemos falar sobre outra coisa, mas antes, esse desconforto que você tem – essa sensação, você pode me mostrar onde ela está no seu corpo? Onde você se sente isso?"

Eu aponto para a base da minha garganta, sentindo como se tivesse uma pedra ali.

"Entendi..." Erica balança a cabeça, cruzando as mãos no colo. "Faz quase um ano desde que você teve o seu incidente... você já pensou nisso? Você ainda tem o seu diário?"

Eu jogo minhas mãos para cima, olhando para ela com uma expressão incrédula. "O que aconteceu com você hoje? Me dá um tiro logo!"

Erica ri, empurrando os óculos para cima com o dedo indicador. "Falar dos seus sentimentos é meu trabalho Cat, mesmo que você torne isso extremamente difícil."

Eu concordo com a cabeça, me encostando no sofá. "E sim, eu escrevo no meu diário todos os dias."

"Alguma novidade?" Ela pergunta sempre com a mesma expectativa de que eu tenha escrito algo legal ou diferente.

"Na verdade..." Eu paro, trazendo minha mão para bagunçar meu cabelo e puxo meus lábios para o lado, me perguntando se eu falo isso ou não.

Eu sei que ela vai me perguntar sobre isso nas próximas consultas e tentar descobrir o que significa, e eu não sei se vou conseguir lidar com isso porque nem eu sei o que significa.

"Nos últimos dois dias eu escrevi uma coisa nova..." Digo a ela, observando suas sobrancelhas se arquearem de surpresa. "Acho que é a primeira vez desde que comecei, que não escrevi só sobre o Chico..."

{...}

Eu sei que deveria estar aproveitando esse tempo que minha mãe está fora, mas, estou sentada no sofá pensando no que fazer desde que voltei da psicóloga.

Estou tentando relaxar, mas tentar relaxar está me estressando porque não sei como relaxar.

Passei uma boa hora andando pela casa sem rumo, pensando no que fazer.

Eu nunca fui tão ruim assim, piorou no último ano. Quase não sei o que fazer quando não envolve só existir para servir a outra pessoa – esqueci o que é acordar e apenas fazer o que tenho vontade de fazer.

O que eu ainda sinto vontade de fazer?

Eu deveria pintar, é algo que eu realmente amo, mas não me lembro da última vez que tive uma inspiração pra isso.

Três batidas fortes na minha porta da frente chamam minha atenção, e eu olho para ela com as sobrancelhas franzidas.

Outras duas batidas me fazem ter certeza que não estou ficando louca e eu encaro com olhos desconfiados e semicerrados enquanto me levanto do sofá e caminho em direção dela.

Quem tá na minha casa? São quase 20h, porque o porteiro não me avisou nada?

Deve ser o vizinho aqui da frente me pedindo açúcar emprestado de novo.

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