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DIAS DEPOIS do enterro da infortunada Marguerite, Allan Clare contou aos amigos as circunstâncias inesperadas que fizeram com que lady Christabel lhe fosse uma vez mais arrebatada.

Halbert, enviado ao castelo pelo infeliz enamorado tão fatalmente decepcionado em suas esperanças, voltou para contar que Fitz-Alwine fora a Londres com a filha, para de lá fazer a travessia rumo à Normandia, onde negócios particulares o chamavam.

A fulminante notícia daquela viagem tão súbita e imprevista causou ao principal interessado uma dor profunda e tão violenta que Marian, Robin e os filhos de sir Guy tiveram de usar todos os recursos do carinho e da amizade. Um conselho do jovem Hood, unanimemente aprovado pelos membros da família Gamwell, trouxe um brilho de esperança ao coração de Allan.

Disse Robin:

— Vá a Londres, e de Londres à Normandia, só parando onde o furioso barão, ele próprio, parar.

A ideia logo se transformou em projeto e o projeto em ação. Allan se preparou para a viagem e, a pedido seu, a meiga e conciliadora Marian aceitou esperar por ele no agradável isolamento do hall de Gamwell.

Mas vamos deixar o sr. Allan seguir por Londres e Normandia os passos de lady Christabel e continuar com Robin Hood ou, melhor dizendo, com o jovem conde de Huntingdon.

Antes de dar início às minúcias legais para uma demanda delicada como a que devia ser empreendida no interesse do filho adotivo, Gilbert achou que seria útil levar a questão a sir Guy de Gamwell e o fez conhecer em seus mínimos detalhes a estranha história contada por Ritson, pouco antes de morrer. Quando terminou a narrativa daquela odiosa usurpação de direitos, sir Guy, por sua vez, contou que a mãe de Robin seria, na verdade, filha de seu irmão Guy de Coventry. O rapaz, consequentemente, era sobrinho do baronete e não seu neto, como as palavras de Ritson haviam dado a entender. Infelizmente, sir Guy de Coventry não vivia mais e o filho dele, único rebento dessa geração mais nova da família, se encontrava longe, participando da cruzada.

— Porém — acrescentou o generoso baronete —, a ausência desses dois parentes não deve ser obstáculo para suas pretensões, caro Gilbert. Meu coração, minha força, minha fortuna e meus filhos estão com Robin. Espero ser útil e vê-lo tomar posse, aos olhos de todos, de uma fortuna que a ele pertence, aos olhos de Deus.

A justa reclamação de Robin foi levada aos tribunais, sendo aberto um processo. O abade de Ramsey, adversário do rapaz, membro riquíssimo da todo-poderosa Igreja, repeliu energicamente a demanda, chamando de impostura fabulosa e mentirosa o relato de Gilbert. A autoridade a quem o sr. de Beasant tinha confiado o dinheiro necessário para o sustento do sobrinho foi chamada à presença dos juízes. Porém, vendido que era, de corpo e alma, ao atrevido detentor dos bens do conde de Huntingdon, ele negou a entrega do dinheiro e sequer reconheceu Gilbert.

O pai adotivo, tratado de louco visionário, era então a única testemunha a favor do rapaz, seu único protetor — convenhamos que um apoio bem frágil naquela luta contra adversário em tão boa situação social, como o abade de Ramsey. É verdade que sir Guy de Gamwell confirmou, por meio de juramento, que a filha de seu irmão havia desaparecido de Huntingdon na época indicada por Ritson, mas era ao que podia se limitar o depoimento do ancião sobre o seu conhecimento dos fatos. E mesmo que Robin conseguisse interessar os juízes, conseguisse dirimir qualquer dúvida moral quanto à legalidade dos seus direitos, seria muito difícil, para não dizer impossível, vencer os obstáculos materiais que se opunham ao triunfo da sua causa.

A distância que separa Huntingdon de Gamwell e a falta de efetivos armados impediam que Robin recuperasse pela força os seus direitos, como se permitia — ou pelo menos se tolerava — naquela época. Foi então obrigado a aguentar as insolentes bravatas do inimigo e forçado a buscar um meio pacífico e legal, uma vez que julgamento nenhum já fora pronunciado, para entrar sem combate direto no usufruto dos seus bens. Sir Guy foi quem sugeriu essa alternativa, aconselhando que o rapaz se dirigisse diretamente à justiça de Henrique II. Enviada a demanda, ele esperou, antes de tomar qualquer outra decisão, a resposta favorável ou não de Sua Majestade Real.

O príncipe dos ladrões (1872)Where stories live. Discover now