Prólogo

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Após desligar o telefone, Iza caminhou até a sala de televisão, indo até a enorme estante. Em uma das prateleiras encontrou o que procurava. Uma caixa de papelão grande, coberta por uma colagem de imagens, frases e fotos que tinha feito aos 15 anos. Sentou no chão colocando a caixa entre suas pernas. Antes mesmo de abri-la, seus olhos já não conseguiram mais segurar sua dor. Nem mesmo lembrava o que poderia encontrar ali. Já se passaram muitos anos sem revirar as provas do passado. Preferira ignorar a reviver suas dores.

Naquele momento precisava tocar em tudo que tinha guardado para ter certeza que um dia o conteúdo que jazia ali havia feito parte de sua vida. Quando enxugou as lágrimas que insistiam em cair, juntou as forças que ainda lhe restavam para abrir a caixa de recordações. Escutou passos. Virou-se e viu seu filho pronto para ir para escola.

- Mamãe, já estou pronto. Podemos ir?

Estendeu a mão para o garoto. Puxando ele para o seu colo, deu-lhe um abraço apertado. O menino, mesmo percebendo a tristeza nos olhos da mãe, o menino retribuiu o abraço sem questionar.

- Meu amor, hoje você não vai para aula... - buscou palavras, sabendo que não lhe diria naquele momento o motivo de sua tristeza - Vai trocar de roupa e peça a Maria para te ajudar.

- Yes! – comemorou sem ao menos saber o motivo do surto de benevolência de sua mãe, Leonardo seguiu correndo para o quarto ao encontro do seu computador. Havia dias que tentava vencer aquele chefão e no dia anterior chegara bem próximo de conseguir.

Maria, sem entender a mudança brusca na rotina da casa, foi ao encontro de Iza.

- Iza? Está tudo bem?

- Ah, Maria... - antes mesmo de tomar fôlego, para buscar palavras, suas lágrimas desceram involuntariamente. Maria sentou-se no chão puxando a amiga para um abraço.

Maria trabalhava na casa de sua mãe há quinze anos. Desde o nascimento de Leo, Maria se dividia entre trabalhar para mãe e filha.

- Achei que você estava no escritório! Fui levar um café e não te encontrei...

- Maria, o Noah morreu.

Maria parou em choque com a notícia, recostou-se na estante buscando algum apoio, olhou para o lado e viu a caixa de recordações. Por um instante o tempo parou e lembrou-se de quando começou a trabalhar na casa de Marta.

Havia começado a naquele emprego há apenas uma semana. Iza estava eufórica com sua festa de quinze anos. Era uma festa pouco convencional e tradicional, não haveria valsa e muito menos um bolo de três andares. Foram montadas duas tendas e um palco, onde se apresentaria uma banda do rock que estava começando a fazer sucesso e um famoso DJ da cidade. Apesar de Marta ter contratado um bufê para o aniversário da filha, pediu a ajuda de Maria.

... Estava no banheiro acabando de ajeitar algumas toalhas quando ouviu a porta bater. Virou-se e deu de cara com Iza agarrada a uma parede de músculos. "Meu Deus", pensou. Os dois não perceberam sua presença e continuaram o amasso. Como o casal estava se agarrando na porta, num beijo intenso, não tinha como sair dali sem ser notada. Depois de um tempo, longo demais para seu gosto, os dois se desvencilharam e perceberam que não estavam sozinhos.

Maria não pôde deixar de perceber a beleza daquele rapaz. Tinha 1,90 de altura, cabelos negros lisos na altura dos ombros, forte, bem forte e olhos cor de mel. A beleza de Iza também não passava despercebida, tinha 1,80 de altura, cabelos castanhos cacheados na altura dos ombros, que naquele dia estava preso com alguns fios soltos.

- Maria! – advertiu chamando a atenção da funcionária que parecia fora de si.

- Desculpe Iza, passou um filme na minha cabeça. Como? O que aconteceu? Ai, meu Deus! O Leo... Como vai ser?

- Foi um acidente de moto. Ele estava voltando de um show ontem à noite. Morreu na hora. Só agora que o Max, empresário da banda, me ligou!

- Como pode ser?! Lembro de quando vocês se conheceram na sua festa de quinze anos. - Maria disse, não contendo as lágrimas.

- Maria, por favor, preciso que você coloque essa caixa no meu quarto. Vou ligar para minha mãe. Preciso encontrar forças para contar para o Leo.

Saindo da sala, reuniu coragem para encarar a terrível realidade. Não sabia como contar para o seu filho que o pai havia morrido. Viveram um grande e intenso amor. Casaram-se quando ela tinha vinte e um anos e há cinco anos estavam separados.

O casamento com um vocalista de uma banda de rock não era fácil. Mulheres, bebidas, drogas e loucuras das mais variadas. Iza não tinha deixado de amar Noah. O fim do casamento se deu pela consciência de que o que ele oferecia não era o suficiente para que se sentisse completa.

Não fazia o tipo de mulher certinha, porém, quando Léo nasceu, há sete anos, repensou a sua vida. Começou a proibir as loucas festas da banda e dos amigos de Noah em sua casa. Sentia necessidade da atenção do pai do seu filho nos assuntos domésticos, mas definitivamente não era o perfil do pop star.

Noah começou a tocar aos dezesseis. Aos dezoito conheceu Iza em sua festa da aniversário. Encantou-se loucamente pela princesa de beleza exótica. Não demorou muito para que a banda explodisse. Leo nasceu pouco tempo depois da chegada da fama.

Amava loucamente seu filho e sua esposa, entretanto a vida que o sucesso lhe proporcionava era tudo que sempre sonhou. Para ele continuar com a mulher de sua vida significava abrir mão da liberdade que tanto almejou. Era um bom pai, sempre presente, enchia o garoto de presentes, contudo impor limites e tarefas cotidianas nunca fora a sua praia.

Após desligar o telefone com sua mãe, Iza caminhou lentamente para o quarto do filho. Marta havia alertado de que todas as mídias já estariam noticiando o acontecido. Não poderia esperar para contar ao filho.

Ao chegar ao quarto, sentou na cama do garoto e o chamou para se sentar ao seu lado. Antes de dar a triste notícia ao filho, se lembrou da conversa que teve com ele há um ano, quando sua avó faleceu.

- Meu filho, sabe que as pessoas têm uma missão para cumprir aqui na Terra, não sabe? – disse afagando seus cabelos- E mesmo que elas não estejam mais conosco....

- Quem morreu mãe?

Aquelas palavras entraram como um punhal em seu peito. Não sabia como continuar aquela conversa. Um nó se formou em sua garganta e mal conseguia respirar. Como um anjo, Maria entrou no quarto, tocou o ombro de Iza, dando forças para continuar. Quase em um sussurro respondeu ao filho.

Deu-lhe um abraço e assim ficaram um longo tempo. Rezaram juntos. Sentia o sofrimento dele misturado ao seu próprio vazio. A dúvida de ter tomado o caminho certo em sua vida e de não persistir no relacionamento com Noah doía em sua alma.




Não Pare de Sonhar + Acordei! E Agora?! (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora