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― Esquece. Eu não vou.

Augusto cruzou os braços na frente do peito e baixou o olhar. Ele estava tentando evitar contato visual, porque sabia bem que meus grandes olhos negros sempre podiam convencê-lo do que eu quisesse, não importando quão forte fosse sua determinação.

― Ahhh! ― choraminguei, rodopiando na cadeira de escritório do quarto dele. ― Qual é, Gu! Vai ser legal! Por que você tem que levar tudo tão a sério?

― E por que é que você não leva nada a sério, Liliana Rodrigues? ― rebateu ele.

Revirei os olhos e ignorei a pergunta.

― Tudo bem. É uma festa do Dia dos Namorados. Mas e daí? É como uma festa qualquer. Você não precisa estar namorando pra se divertir. Olha pra mim! ― Abri os braços para enfatizar meu ponto. ― Também não tenho ninguém.

O garoto levantou os olhos, e um pequeno sorriso de vitória tomou espaço em seus lábios grossos.

― Isso foi um convite, Rodrigues?

Confesso: hesitei uns segundos a mais do que seria considerado apropriado para a segurança da amizade.

― Não.

Ele me encarou com as sobrancelhas erguidas, como se aquele "não" pudesse ser convertido para um "talvez" sem muito esforço. Decidi ignorar e mudar de assunto antes que eu começasse a perder a batalha.

— Por favoooor! ― insisti mais um pouquinho, rolando a cadeira tão rápido que meus cachos voaram no ar, até ficar perto o suficiente dele para tocar em sua perna.

Augusto olhou para meus dedos sobre sua calça jeans clara.

— Por que você me trata como um brinquedo, Rodrigues?

A pergunta foi feita em um tom leve, mas pesou nos nossos ouvidos e causou uma sensação estranha na boca do meu estômago.

Era uma acusação real demais para ser ignorada.

Uma coisa era evidente: Augusto gostava de mim, mas eu não sentia o mesmo.

E, pensando assim, a história poderia seguir dois cursos naturais. Ou eu cedia e permitia que nos apaixonássemos loucamente, ou nós terminávamos com aquela amizade de uma vez por todas. Augusto e eu decidimos tomar um terceiro caminho, mais difícil, quase antinatural, porque nossa amizade era mais importante para nós do que qualquer outra coisa. Mas isso significava que às vezes eu iria machucá-lo sem querer... e às vezes ele iria me fazer sentir culpada. Não dava para evitar, e era terrível.

Augusto era engraçado, fofo e inteligente. Tinha cabelos castanhos e um sorriso bonito. Na maioria dos dias, conseguia ser a minha pessoa preferida no mundo inteiro. Eu realmente o adorava, e não teria sido um sacrifício enorme aceitar ao menos uma de suas milhares de investidas... se eu fosse capaz de amar.

Mas eu não era.

Então não adiantava ele ser fofo, romântico, inteligente, engraçado, o sonho de toda garota.

Estreitei os olhos e tentei recolher os dedos, mas Augusto segurou minha mão antes que eu tivesse a chance de me afastar. Por um tempo, ficamos os dois quietos, apenas observando nossas peles lado a lado, a dele mais clara que a minha.

— Não estou reclamando ― murmurou, quebrando o silêncio. — Só queria entender.

— Não tem o que entender ― sussurrei de volta enquanto o olhava diretamente nos olhos. — Você sabe disso, Gu.

Ele balançou a cabeça.

— Nós somos amigos há quase dois anos e eu ainda não descobri como ou por que você construiu essa grande muralha ao redor do seu coração.

Levantei as sobrancelhas e precisei rir. Era a única reação cabível.

— Não tem muralha nenhuma ― falei, puxando a mão para longe. — Meu coração apenas gosta de se limitar à sua função vital, só isso.

— Um coração só pra bater? Mas aí não tem graça! ― alfinetou Augusto.

— Quem disse que é pra ter graça?

Não seria verdade se eu dissesse que nunca tinha me apaixonado.

Eu já tinha me apaixonado antes. Tinha sido horrível.

As pessoas viviam me dizendo que eu precisava dar outra chance ao amor, ou pelo menos me abrir mais para as possibilidades, mas eu não queria. Eu não queria repetir aquilo nem morta. Detestava me imaginar de novo tão vulnerável, tão fora de controle, tão entregue. Mesmo se eu chegasse a gostar daquilo ou, por alguma razão absurda, chegasse a me divertir... simplesmente não valia a pena para mim.

― O que foi que fez você parar de acreditar no amor, hein? ― insistiu meu amigo.

Engoli forte e dei meu melhor sorriso de descaso.

― Ah, meu querido Augusto, mas eu acredito no amor, sim! ― Coloquei a mão no peito como se a mera suposição do oposto me deixasse tremendamente ofendida. ― É o amor quem parece não acreditar em mim.

Augusto riu alto, sacudindo a cabeça.

― Você é inacreditável, sabia?

— Escuta... ― suspirei, desconversando. — A gente nem precisa ficar muito tempo lá. Só uns vinte minutos. Trinta. Talvez quarenta. Por favor, Gu. Por favor.

— Peraí! ― Augusto não deixou passar despercebido meu desvio da questão. — Voltamos a falar da festa agora?

Pisquei inocentemente.

— Quando foi que paramos de falar disso?

Ele apontou para mim e sacudiu a cabeça.

― Você pode ficar tentando fugir do assunto o quanto quiser, Liliana Rodrigues, mas sabe que não pode se esconder pra sempre.

― Posso me esconder por enquanto? ― debochei daquela frase feita. — Pelo menos só por tempo o suficiente pra que você decida ir à festa?

― Quem disse que eu vou decidir ir à festa?

Mil respostas espertinhas voaram pela minha cabeça. Você sempre faz o que eu mando. Você é muito previsível. Você também gosta de dançar. Você está tão louco para ver a decoração cafona quanto eu.

Mas, sabiamente, apenas lancei a ele um sorrisinho e estendi as mãos curvadas para cima, em sinal de dúvida.

― É só um palpite.

Ele não conseguiu conter o sorriso, deixando claro que eu estava certa desde o início. Cedo ou tarde, Augusto sempre acabava sucumbindo às minhas vontades.

Eu, cupido [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora