CAPÍTULO 2 : Desapego não é desamor

22 9 12
                                    

Saudade de quando eu tinha inimigas. Hoje me lixo tanto pra opinião dos outros que nem inimiga sobrou

Acho engraçado que toda vez que falo sobre desapego em uma roda de amigos todos me olham assustados

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Acho engraçado que toda vez que falo sobre desapego em uma roda de amigos todos me olham assustados. Espantados. Diria até que aterrorizados. É como se eu dissesse em voz alta que matei alguém e preciso de um lugar para esconder o corpo. Melhor ainda é quando as pessoas tentam me dar uma rasteira e perguntam : “Ué, mas você não namorou a vida inteira? Desapego? Você?”. Sinceramente, quando escuto uma pergunta dessas, tenho vontade de me levantar da mesa e ir embora. É como se sentisse que essa pessoa não tem intelecto suficiente para conversar comigo. Mas tudo bem... respire, conte até dez. E aí explique. Ou pelo menos tente.
        De uma vez por todas, esqueçam esse “pré-conceito" de desapego. Desapego não é sair todos os dias, frequentar todas as baladas da cidade, ficar com todos os garotos que aparecem na frente e, em seguida, dizer: “Pego e não me apego". Aliás, amaldiçoo mentalmente todos os dias a pessoa que criou essa frase. Pega e não se apega? Isso é justificativa pra vulgaridade, desculpe-me.
           O desapego é muito mais do leiloar seu amor (ou outra coisa) por aí. O desapego é saber se desprender de tudo aquilo que te retém, faz mal e sufoca.
O desapego é sempre um desafio pra mim, aliás, acredito que pra todos.
            A propósito, conselhos sempre parecem mais fáceis quando dados a outra pessoa. Digo isso por experiência própria. Eu, que sempre tenho um conselho na ponta da língua, me vejo em apuros quando preciso aplicá-los na minha vida. Acontece.
             Fato é que demorei a descobrir o porquê de ter tido --- e mantido --- tantos relacionamentos rasos e sem sentido algum. Eu simplesmente não entendo como pude ser estúpida a ponto de acreditar em pessoas que em nenhum momento me deram motivos para isso. Para ilustrar, cito a época em que cismei que poderia “transformar” o garoto mais canalha da minha cidade em um príncipe encantado. Qual é? Toda garota já sonhou --- ou sonha --- transformar um desses. É como se fosse um realização pessoal, daquelas que dão um prazer ardente no peito quando se concretizam. Ele era canalha, tudo bem, eu sabia disso.
         Mas ele dizia que gostava de mim, poxa, vamos dar um crédito? E se for verdade? Peraí, acho que vi os olhos dele brilhar enquanto falava sobre mim. Ei, ele me apresentou aos pais! Olha! Ele me convidou para o churrasco dos amigos...
           Tolice. Enquanto eu tentava me convencer de que ele gostava mesmo de mim, as pessoas me alertavam sobre inúmeras traições, e cada dia que passava eu descobria mentiras que ele insistia em contar com um sorriso no rosto --- ai, por sinal, maravilhoso. Era como se estivesse enfeitiçada, sabe? Eu sabia que ele não valia nem um vestido novo que eu comprava pra sair com ele. Juro que sabia. Mas eu gostava daquela sensação de, pela primeira vez, não ter alguém nas minhas mãos. E isso inexplicavelmente me fazia querer cada vez mais. Ele se tonara um vício, uma droga, obsessão. Hoje posso dizer que foram os quatros meses mais insanos da minha vida; era um misto de paixão, loucura, ódio e, meio a tudo isso, amizade. É inacreditável que tenhamos nos tornado bons amigos.
            No fim --- que não era fim porque sequer existiu um começo ---, percebemos que éramos necessários na vida um do outro. Porque, apesar de não termos tido um lance bem-sucedido, aprendemos bastante. Ele, por exemplo, aprendeu que o problema não estava nas outras pessoas, e sim nele, que não conseguia sentir empatia por ninguém, nem por mim, a única garota que o havia “segurado" por algum tempo.
             É com orgulho que digo que mudei a vida desse rapaz. Depois que terminamos, ele decidiu que devia procurar terapia e se tratar. Resultado? Acabou descobrindo que guardava dentro de si trauma de infância que o atrapalhava no trato com as mulheres. Quando ele ainda era muito novinho, percebeu que a mãe vivia tendo casos fora do casamento. Apesar de não saber ainda o que exatamente acontecia, tudo ficou tão infernal que, depois, se tornou impossível superar essa questão sem acompanhamento especial. A vida sempre me surpreendendo. Eu? Ora, eu aprendi que por mais que um lance curto não tenha sido de todo bom sempre acrescenta algo.
              Admiro pessoas que conseguem desviar de relacionamentos ruins por toda a vida, para, finalmente, encontrar --- lá no fim da estrada --- aquele único, que vai ser a flecha certeira no seu coração. A minha prima Vieira é um exemplo clássico disso. Ela nunca teve um namorado sequer, nunquinha. Nas reuniões  de família era sempre questionada.
              E aí, Vieira, já arrumou um namoradinho? Vieira, quando é que você vai trazer um namorado pra família conhecer? É, Vieira... vai ficar pra titia, hein? A Tiana já tem namorado, olha lá...
     E ela tinha que se explicar, toda tímida, pedir que tivessem calma, que ainda não tinha encontrado ninguém que valesse a pena ser levado a sério e que ficar com alguém só para não ficar sozinha era perda de tempo. Palmas. E alguns tapas na minha cara também, já que eu era a psicopata-louca-dos-namoros, confesso. Eu precisava ter um namorado, tipo, sempre. Se terminava num dia, no outro já tinha uma lista de possíveis pretendentes. Esse não,  muito alto, muito chato, muito metido, opa, esse sim. Por que não tentar? Custa nada. E eu ia com tudo, de novo. E de novo. E de novo. Que venha mais uma decepção.  Que venha mais um que não vai conseguir me impressionar.
      Desconfio que esse meu jeito vem de longe, já que comecei a namorar muito cedo. Tive meu primeiro namoradinho aos doze anos; durou dois verões (eu tenho alguma coisa com o número dois, devo ter), mas claro que, naquela época, sentir o tempo passando era totalmente diferente de agora. Então, tudo bem, é mais do que natural que eu tenha adquirido esse medo de “ser sozinha". Qual é? Eu sempre tive alguém a meu lado. Eu não sabia o que era dormir sem uma mensagem de boa noite, eu não sabia o que era não ouvir um “eu te amo" todos os dias, não sabia o que era sair de casa sem dar satisfações a alguém. Eu não sabia o que era “eu" sem algum “você”. E não fazia questão alguma de arriscar ser diferente. Tão mais fácil ser dois. Tão mais fácil andar de mãos dadas. Tão reconfortante ter a certeza de alguém a seu lado sempre, mesmo que esse alguém não seja bem aquilo que você precisa. Besteira.
      Medo de ficar sozinha, um mal que assola boa parte das pessoas nos dias de hoje. É como se nascêssemos com um único propósito : encontrar alguém. Alguém? Assim? Aleatório? Qualquer um? Bom, é claro que não. Mas boa parte das pessoas aceita de bom grado o primeiro que aparece em sua vida e logo após se fecha para o mundo e para outras oportunidades, como se nada fosse mais “certo" do que aquilo. Quantas pessoas você conhece que mantêm namoros ruins por medo de “não encontrar alguém melhor"? Aposto que consegue encher as mãos em apenas dois minutos. Eu consigo.
     Foi o caso da Sabrina, uma antiga amiga de colégio. Ela conheceu o Jhonny quando tinha apenas treze anos, foi seu primeiro e --- até então --- único amor. O problema é que as pessoas mudam, crescem, pintam os cabelos, engordam, se vestem de forma diferente e, ora, isso é completamente normal. Assim, o Jhonny que a Sabrina havia conhecido uns anos atrás não existia mais. O garoto que antes era de família, atencioso, meigo, estudioso e que fazia a namorada seu mundo, desapareceu para dar lugar a um homem que só se importava com aparências, drogas, mulheres (sim, mulheres) e festas regadas a muito álcool. A Sabrina, por outro lado, não mudou nada, nadinha. Continuou a mesma garota simples e sensível que tive o prazer de conhecer quando mais nova. Talvez mais malhada, se vestindo melhor e um pouco menos tímida. No entanto, ainda assim, a mesma Sabrina de sempre. Eu me preocupava com a minha amiga, de verdade. Por isso vivia tocando no assunto proibido.
     - Ô, Sabrina, encontrei o Jhonny ontem na balada...
Não sei por que eu tinha resolvido estragar aquele almoço com a minha amiga. Mais era mais forte que eu.
      - Ah, é? Hum. Ele me avisou... Eu deixei ele ir. E desde quando você vai a baladas, Tiana?
Mentir é uma prática comum entre pessoas que insistem naquilo que já teve fim. Sabrina era expert nisso. Em mudar de assunto também.
       - Devia ser alguma brincadeira...
Mente descaradamente, como pode? Alô? Sanidade chamando! Será que ela acredita mesmo no que diz?
       - Não, não era não. E olha, eu vi ele com uma menina lá. Acho que era aquela Gabi, da sala dele. Sabe? Não quis ficar olhando muito.. Só que achei que precisava te contar.
        Sou sincera, quer dizer, nem tanto. Na verdade eu vi o Jhonny enfiando a língua dentro da garganta da Gabi, o que me deixou tão nauseada a ponto de chamar um táxi e ir embora pra casa. Mas, em se tratando da Sabrina, de nada adiantaria dizer a verdade. Parte dela já daria conta do recado.
        - Eles são amigos --- ela diz, enquanto finge não se importar, analisando o menu pela décima vez.
        - Sabrina! – Pego o cardápio da mão dela. – Para com isso. Você está com o Jhonny há quantos anos? Oito, não é mesmo? E nesses oitos anos em quanto ele te fez feliz? Um! Você precisa parar com essa mania de anular as coisas ruins com as coisas boas que o seu namoro já teve, que, a propósito, nem foram tantas. E daí se ele te deu um buquê de rosas uma vez no Dia dos Namorados? E as traições? E as drogas? E aquela vez em que ele deu em cima da sua irmã? Para de enganar. Ele não gosta de você, pelo menos, não mais. E você merece alguém que te trate igual a uma princesa, não um idiota qualquer que te liga domingo à noite quando precisa de sexo!
      Ela me olha como quem não acredita em tudo o que acabou de ouvir. Sinto como se tivesse contado que assaltei um banco ou algo do tipo. Ela está chorando.
         - Tiana... não é isso. Quer dizer, é isso... eu não sei, tô confusa demais.
      E desaba a chorar. Legal. Eu sou uma ótima amiga mesmo.
          - Me desculpa, acho que exagerei. É que eu vejo você se afundando cada vez mais e sei que vou me sentir culpada se ficar só observando, como a maioria das pessoas faz. Por Deus, até sua mãe já me disse que desistiu de tentar te ajudar. Eu só quero que você perceba isso com seus próprios olhos. Ele não é o único cara do mundo. E eu concordo quando você diz que nunca vai encontrar alguém como ele.
          - Jura?
Uma esperança reluz nos olhos dela
          - Juro. Você vai encontrar um melhor, porque pior do que aquele é difícil, viu?
E nós duas rimos muito.
Esse foi um dia marcante na vida da Sabrina. Não só porque a convenci a experimentar um pitit gâteau pela primeira vez (ela não comia doces), como também porque parece que, finalmente, ela deu um basta em todo aquele fingimento. No fundo, ela sabia que o Jhonny não era incrível e muito menos único. Sabia que podia encontrar alguém melhor com um estalar de dedos. E, principalmente, sabia que merecia isso. Ela só tinha medo e, talvez, um pouco de preguiça. Afinal, ser solteira não é nada fácil.
          Para meu espanto e surpresa, a Sabrina tirou de letra. Ela era, de fato, uma garota incrível, só precisava arrancar aquele pano que cobria seu espelho e a impedia de ver o quão bonita é. Por dentro e por fora. Me lembro que, na época que ela terminou o namoro, eu já estava namorando o William (William é o meu excelentíssimo ex-namorado, aquele do início da história, sabe? É que não gosto de falar muito o nome dele) e não pude ajudar como queria. Me preocupei, vai que ela se apaixona por um canalha com blusa da Abercrombie na balada? Mas não, a Sabrina se manteve firme e forte. Ficou seis meses sozinha. Sem ninguém mesmo. Decidiu que precisava de um tempo para ela, e eu concordei. Nada mais justo, visto que ela passou uma vida namorando um imbecil. Depois resolveu fazer um intercâmbio, conheceu um italiano durante a viagem, se apaixonou loucamente e hoje eles são noivos. O italiano era tudo que ela precisava, e ela, bem, a luz dos olhos dele. Foi lindo de ver.
               A Sabrina é um caso entre um milhão de outros casos. Pois quantos casamentos não são mantidos por comodidade? Quantos casais não se olham mais nos olhos, mas permanecem juntos por status? Quantas pessoas não estão por aí mendigando amor? Quantas pessoas não mantêm namoros por aparência? Inúmeras. O difícil mesmo é encontrar aquele que não tem medo de ser sozinho. Que não tem medo de si mesmo.
           A coragem para ser sozinho é importante para todos nós. E eu, como boa sagitariana (nós, sagitarianas, sofremos do mal de sempre-querer-estar-rodeadas-de-pessoas), morro de medo de ficar sozinha. É assustador demais. E por quê? Por que temos tanto medo de ficar a sós em nossas próprias companhias? A psicologia explica : tudo o que você espera que o outro faça por você quando está em um relacionamento é exatamente o que você não faz por si mesmo. É como se jogasse a sua felicidade no colo do outro e dissesse: “Toma, agora você é o responsável por ela. Me faça feliz”. E é aí que está todo o problema. Você deve primeiro aprender a ter êxito satisfazendo as suas necessidades para depois se relacionar com alguém. Só é feliz a dois quem já é feliz sozinho.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jul 12, 2021 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

LIVRO I : De princesa só o nomeWhere stories live. Discover now