56. Pão de Cará com Maltado

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Eu estava na calçada sem saber se seguia para a esquerda, para a direita ou se atravessava a rua. Minha mente estava tão cheia que eu sentia pontadas na parte de trás da minha cabeça.

Eu pensava na escola da minha filha e que, sem a escola, ela não teria mais acesso a psicoterapia; pensava nas despesas da casa da minha tia, que agora teria que arcar com tudo sozinha; no curso de barista, um dos melhores do mundo, em que eu estava quase me formando e não teria condições de dar continuidade por conta própria; que Fábio poderia usar isso para pegar a guarda de Flor; em como eu diria tudo isso para a minha família; em Ulisses, que eu nem sabia o motivo da demissão, mas deveria ter sido por minha causa; e, agora, em uma guerra declarada na justiça. Enfim, tanta coisa passando na minha cabeça que eu não conseguia decidir por onde iria começar.

Dei o primeiro passo de forma aleatória, com o objetivo de ver para onde o meu pé apontaria.

Direita. Seja o que Deus quiser agora.

Antes de dar o segundo passo, senti uma mão tocando o meu ombro.

— Lis! — chamou Suzy.

— Mulher, o que é que tu tais fazendo aqui?

— Amiga, o que foi aquele discurso que você deu agora antes de sair?

— Sei lá. Eu só botei pra fora o que tava entalado.

— Pois tá o maior rebuliço lá dentro, viu?

— Eu quero é que, de um jeito ou de outro, pegue fogo nesse quengaral!... E tu não devia tá lá dentro?

— No meu lugar, você estaria?

— Eu não. Eu tava era metendo a mão na cara de todo mundo.

— O que foi que aconteceu dentro da sala? Você saiu discursando, seu Agenor com uma cara assustada e Laura sem o dente.

— Ele me acusou de abrir concorrência interna, de me ausentar do trabalho e de transar com os clientes, e ele queria que eu acusasse Ulisses.

— E Ulisses? O que aconteceu com ele?

— Boa pergunta... Bora saber... — falei, pegando o celular. O telefone chamou até cair na caixa postal e Ulisses não atendeu. — Pior que eu vou ter que chegar em casa com essa notícia e eu nem sei como é que eu faço pra me acalmar até lá.

Suzy sacou seu próprio celular.

— Amor, vem buscar eu e Lis no shopping próximo à cafeteria... É um alerta vermelho.

— Pra onde a gente vai? — perguntei.

— Pra casa de Ulisses.

Pouco tempo depois, estávamos no carro de Paulo.

— Você tem certeza que ele foi demitido por sua causa? — perguntou Paulo ao volante.

— Só pode ter sido.

— Então me explica uma coisa: por que, no seu caso, todo mundo foi chamado antes de você e, no caso de Ulisses, ele foi o primeiro a ser chamado e já saiu direto de lá?

— Pior que é... Agora que tu tá falando, é que eu tô mais confusa ainda.

Isso me deixou mais intrigada até chegarmos ao prédio de Ulisses.

— Desde que ele saiu hoje cedinho, não chegou ainda — disse o porteiro do prédio.

Interfonamos algumas vezes, sem resultado.

— Será que... — comecei.

— Que...? — questionou Suzy.

— Não sei, tô ficando com muito medo. Isso tá parecendo muito com o dia que a gente foi na casa de Pierre.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêWhere stories live. Discover now