one shot

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Mais um dia começou, o sol não raiou, os pássaros não cantaram, as flores não abriram, até mesmo o mais belo dia de primavera se escondeu.

O céu era coberto por nuvens em um degradê de cinzas e azuis, as belas flores de haitang murcharam como seu dono em um último suspiro de vida, o lugar que outrora carregava tanta vida e alegria mergulhava em melancolia, as cores se dissolviam em tristeza, raiva e ressentimentos.

O mundo parecia estar de luto pela perda de uma pessoa tão incrível e gentil como Chu Wanning.

Como de costume, Taxian Jun levantou da cama se arrastando para fora dos lençóis frios, vestiu suas vestes pretas e douradas habituais que destacavam o tom pálido de sua pele, tão qual seu coração.

O homem pegou duas jarras de vinho branco perfumado de flores de pêra, se escondendo na residência de seu mestre, por alguns instantes apenas ficou parado em frente ao seu caixão mirando para a silhueta que ali repousava.

Chu Wanning ainda mantinha a aparência de quando vivo, seu corpo esguio era coberto por suas vestes brancas prediletas compondo sua elegância costumeira, seu nariz fino e adorável, lábios finos que já não possuíam um tom avermelhado, seus belos olhos de fênix que nunca mais iriam se abrir.

Mo Ran sempre pensou na beleza de Chu como uma beleza salvagem, algo como um tigre-de-bengala, que rosnaria para todos que se aproximarem, mas agora, finalmente pode notar que sempre esteve enganado. Chu Wanning possuía uma beleza única, uma mistura das mais adoráveis flores do jardim e um peludo gato branco, você poderia pensar que as garras e os espinhos te feririam, mas apenas ressaltavam sua composição única.

O homem deixou a bebida ao lado como uma oferenda, deixou as costas escorregarem pela superfície que dava apoio ao caixão, se sentando no chão frio e sem vida, bebericando do vinho.

Não sabia explicar como vinha se sentindo desde que Wanning se foi em seus braços, um vazio inexplicável tomou conta de seu peito, consumindo-o pouco a pouco, caindo em uma escuridão sem fim. Quando fechava os olhos ainda podia escutar a voz rouca e fraca de outrem antes de morrer, sentia o toque de derme contra a sua. Parecia uma piada cruel do destino.

Parcialmente embriagado os sentidos se confundiam, Mo Ran se pegou lembrando de um tempo distante e feliz, que só existia quando estava bebendo. Talvez fossem um sonho ou simples a miragem, porém, essas cenas criadas por sua mente eram preciosas para serem abandonadas.

Chu Wanning pegava em sua mão ensinando calmamente como deveria posicionar o pincel para que pudesse escrever uma sentença, mesmo que tivesse feito uma porção de vezes, seu pequeno discípulo parecia não entender como fazer um caractere em específico e mesmo que estivesse cansado não desistiria até que Mo Ran fosse capaz de redigir uma carte para a mãe. O que o mestre não sabia, é que seu jovem discípulo já tinha aprendido, entretanto, adorava ver as doces feições do homem ao explicar como deveria ser feito, não perdendo a calma em nenhum momento.

Mo Ran olhou para seus dedos como se sentissem eles doerem, recordando-se da sensação da fina agulha furando a ponta de cada um deles a modo que bordava com todo carinho um lenço para seu Shizun, garantindo que poderia trazer parte da essência que ele passava para este simples presente.

A luz da lua iluminava a face de Chu Wanning a sombra de um sorriso acariciava seus lábios, seus olhos brilhavam olhando para seu jovem discípulo. Mo Ran tinha presenteado-o com um vinho de flor de pêra e um lenço com uma flor de haitang desenhada, era o primeiro presente que tinha recebido.

Um jovem Mo Ran se esgueirando para dentro da residência de seu mestre, o ressentimento não existia mais, apenas a admiração e cuidado foi mantido. Nesta noite Chu Wanning sairia da reclusão temporária, seria o momento perfeito para uma reconciliação, entretanto, isso nunca aconteceu; Mo Ran vendeu sua alma, todos seus sentimentos e memorias felizes, para proteger a pessoa que mais amava puramente.

Todas essas lembranças um dias escondidas sempre voltavam, embora algumas partes estivessem apagadas e um pouco distorcidas, o som da voz, o leve sorriso, a risada e o traço de gentileza de Chu Wanning, todos estavam vivos.

Infelizmente, todas as coisas doces e felizes sumiriam no dia seguinte.

— Todas as coisas que te fiz apenas para te chamar de meu...- as mãos de Mo Ran tremiam, a jarra caiu vazia rolando para seus pés.

Se ajoelhou em frente ao caixão, pegou a mão do mais velho, tal como se ele pudesse escutá-lo e o sentir.

— Eu não sou uma boa pessoa, tem muitas coisas que gostaria de não ter feito, mas eu contínuo aprendendo. - Mo Ran acolheu a mão de Chu Wanning entre as suas, aproximando o rosto a concha que se formou. — Eu nunca quis fazer aquelas coisas com você, antes de ir, quero apenas que você saiba que encontrei uma razão para mudar o que costumava ser e a razão é você.

A voz do imperador estava rouca, em meio as lágrimas que escorriam em seu rosto colorindo suas bochechas, um soluço escapou por entre seus lábios.

— Shizun, por favor, prestes a atenção em mim. - a súplica surgiu em meio as lágrimas. — Eu prometo que se voltar vou ser mais gentil e bom...Por favor, volte...

Se Chu Wanning ainda estivesse vivo Mo Ran poderia escutar seu mestre dizendo "espero que eu tenha sido seu crime preferido, porque você foi o meu", com um sorriso doce nos lábios.

Talvez, em uma outra vida, eu serei o seu garoto, será você e eu contra o mundo.

Notas do autor:

repostando.
fiz uma playlist para essa short, caso desejarem estava como " about broken" e vou deixar o link no meu perfil também.

favorite crimeWhere stories live. Discover now