A Carta.

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Antes de começar, quero informar que a maioria das canções serão as que Avó e neta costumavam ouvir e cantar juntas. Vovó Cecinha estudou e se dedicou a aprender o máximo que poderia.

Para uma cozinheira (inicialmente) era tudo um sonho saber mais que escrever o próprio nome. Dona Cecília de Sousa, uma negra da ficção que vai além da minha escrita com o "lugar de mulher é onde?"
Onde e como ela quiser e sempre fazendo aquilo que ela quer e ama.

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Querida, houve um tempo em que seu pai foi um bom homem. Ainda lembro o quanto era amável, seu avô o estragou quando tirou meu menino de meus braços, o mimou tanto até chegar ao ponto do meu próprio filho se afastar e sentir vergonha de mim. As palavras amargas ainda perduram em minha memória. "Velha asquerosa e fedida. Negra de merda!" Foram as últimas coisas que ouvi de seu pai. 
Meu único arrependimento foi o de não prever que seu avô era um escroto. Me perdoe pelo termo chulo, mas ele era exatamente isso, casado e com uma esposa troféu, é minha criança, isso é muito antigo, viu nas curvas da empregada uma maneira de aliviar o tesão não correspondido, aquela mulher não se amava, pois sempre soube de todas as amantes que ele teve.
Era muito jovem e acabei me deixando enganar. Quando meu único filho foi arrancado de meus braços, decidi ir embora com o pouco dinheiro que tinha e o que eles me deram, não por falta de amor ao meu bebê, e sim com uma pequena mala com poucas roupas e muitos sonhos. Estudei, me formei e trabalhei para uma família muito mais rica que a do seu avô. Deles herdei o gosto por obras de arte e acabei comprando alguns quadros que deixo exclusivamente para você. 
Deixo esta casa, nossa pequena loja de doces, e uma propriedade rural aqui perto, não é nada muito grande, mas sei que é seu sonho ter tudo o mais natural possível para continuar produzindo nossos doces. Tudo estará em suas mãos após sua formatura, sinto tanto a sua falta e estou certa que no momento mais oportuno você irá voltar para mim, mesmo que a minha presença nesta casa seja apenas feita de nossas lembranças.
Quero que saibas que ao decidir voltar, não busquei vingança, tinha a ilusão de que os anos e estudos pudessem ter transformado seu pai em um homem melhor, no entanto o encontrei pior do que já fora. A arrogância e a ganância dominavam não apenas a mente como a alma do único ser que realmente amei antes de te ver entrando pela porta da frente da minha loja de doces. Sua agora. Um sorriso banguela, os cabelos longos e trançados, a pele vermelha por estar correndo fugindo de alguém que logo descobri ser o seu pai, apesar de não ter me reconhecido de imediato, eu sabia quem era, por ser a cópia fiel do homem que usou meu corpo como incubadora, fui apenas isso para ele. A mulher que gerou o único herdeiro e que ninguém se importaria se ficasse feia ou gorda depois.
Sempre soube que você não era como todos eles, suas fugas nos fins de tarde para aprender algo novo era o melhor momento do meu dia. Mesmo sabendo que seu pai fazia de tudo para que ninguém nunca soubesse sobre mim, o brilho em seus olhos ao me chamar de vovó era tudo o que sempre sonhei, mesmo com todas as desculpas sem sentido que seus pais contavam aos amigos ricos do porque você chamava-me assim, no fundo nós sabíamos a verdade, você sempre me amou e eu sempre te esperei.
Não deixe que eles acabem com seus sonhos, você é linda e jovem para morrer amarga como eles, todos eles. Espero seu retorno em breve, mesmo que meu corpo já não esteja mais aqui.

Com amor, vovó!

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Espero que curtam comigo essa viagem ao interior do Brasil.

Até breve!

12/06/21
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AMOR À TRÊS (DISPONÍVEL ATÉ 31/10) Degustação Where stories live. Discover now