Fora assim que me chamou esta manhã. É por mim que clama? Queria saber.
— A boca é a porta do infortúnio e a curiosidade a chave das armadilhas — declarou a voz de Elawan no canto sombrio espiando as brasas arderem. — Não invada mentes atormentadas. O deixe descansar! Só por essa noite.
O braseiro estalou.
— O que você fez – questionou Sorel entre dentes. Quando não obteve resposta, exigiu, verbal e mentalmente: — Como Lohkar acabou assim? Vocês brigaram, quero saber o porquê!
Nem mesmo conseguiu arranhar a mente de Elawan, mas ele suspirou antes de responder:
— Se quer culpar alguém, que seja Lidney por ter soltado os cães. Ou Carter por ter acertado uma maldita flecha de teixo nele; ou mesmo você — As sobrancelhas de Sorel se estreitaram quando a face dele completou: Por ter rechaçado com veemência seu afeto.
Sepse, por sinal, explicou Elawan.
Na cama Lohkar balbuciou as mesmas palavras, então um conjunto de outras novas que não pode decifrar. A feérica ralhou com ele, amaldiçoando o macho por ser um tolo. O Senhor de Liffey cruzou o quarto com passos duros para segurar o outro que se debatia. O braço quebrado limitava seus movimentos, e respirar era um palpável desafio, mas, se sentia dor, Elawan escondia muito bem.
– Inari disse que ele foi mordido por um dos cães – murmurou o nobre. – Deviam ter sido mais cautelosos.
"Sempre infecciona", Sorel lembrou, engolindo seco e amargo. Abriu as persianas em busca de puro, a cabeça latejava pragas e aquele frio quebradiço em seu peito. Nem mesmo você fica por mim, Lohkar? Viu a fumaça bem antes de ver o fogo.
— A Rua do Trasgo — exclamou. O outro veio conferir mais que depressa. Uma lança negra se erguia a oeste, onde as chamas a alimentavam na ilhota ocupada pelos comerciantes ricos da cidade. Soltou um sonoro xingamento.
— Só para deixar claro, não fui eu!
Sorel encarou o lorde com censura.
— A cidade pegando fogo, você jura? Algum servo idiota deve ter colocado as roupas para secar perto do forno e caiu bêbado — Se fosse um pesadelo a feérica estava pronta para acordar.
Sentiu o macho trincar os dentes atrás de si. O lorde foi à porta. Uma batida e o guarda entrou incerto.
— Imagino que a guarda da cidade já viu o incêndio, não esperem que chegue aqui para assar batatas. Quero o fogo apagado até o amanhecer. Espere. Convoque a Comandante das tropas-aladas para jantar na sala privada. Peixe e faisão assado com mel, Nove-moedas pode pensar no que acompanhar o prato. Depois peça para preparem a sala e podem se retirar após servir o jantar aos demais nobres. — Justino já saia como um parvo quando o lorde acrescentou. — E vinho. Uma boa safra de Lágrimas do Sol. Se ainda tiver sobrado alguma.
A testa da feérica se franziu.
— O acompanhe e faça sala a Lady Inari até eu chegar, por favor. — A interrogação ainda pairava na face dela. — Temos que supor que Lohkar não foi discreto, ou mesmo Carterida, que sabem do anúncio da banshee. Quero deixar claro que sobrevivi.
Sorel encarou Lohkar com pesar. Sentiu o olhar de Elawan fazer o mesmo.
— O que tem para barganhar com ela? — questionou a feérica.
— Nada se essa notícia vazar. — Ele se mantinha indecifrável. — Um castelo é tão confiável quanto as muralhas que o defendem. E elas são tão resistentes quanto os homens a guardam. Faça o que pedi.
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Entre Damas e Espadas
FantasyFeéricos governam o reino de Awen, mas esse poder vem a custa de muito sangue, tramas e mentiras. Talvez o mais ambicioso deles seja Elawan, que controla as sombras do reino, mas não deve sua lealdade a ninguém além de si. Após ser traído, um nobre...
Capítulo 17: Castelos e ruinas
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