Já é rotina, então é só como se eu não sentisse nada.

Isso é provavelmente um castigo por eu sair, ela normalmente só desmaia assim no quarto dela, mas como eu não estava aqui para correr atrás dela e agir como sua serviçal - Porque é trabalhoso demais ela ter que ir até a geladeira e pegar sua própria bebida - Acho que ela fez isso só pra ter que lidar com isso quando voltasse para casa.

Obrigada mãe.

Normalmente é assim que funciona.

É por isso que mantenho o Chico no meu quarto quando não estou em casa por curtos períodos, e na casa do Erick quando estou no trabalho. Eu não confio nela aqui sozinha com ele, eu morro de medo de algo acontecer, como ela deixar ele escapar pela janela, pela porta da frente ou algo do tipo.

Graças a Deus ela vai ficar na casa da minha irmã, bom, casa da minha meia-irmã durante a semana que vem, e tenho certeza que ela vai se comportar da melhor maneira possível com ela, ela só é assim comigo.

O pai da minha irmã criou ela, e ela apenas visitava minha mãe nos finais de semana, então eu fui a única infeliz o suficiente para ser criada por essa mulher em tempo integral.

Eu jogo as garrafas de vidro e bitucas de cigarro no lixo, pegando a caixa de pílulas do sofá e tento descobrir um novo lugar onde eu possa esconder elas. Eu normalmente só dou pra ela a quantidade prescrita todos os dias, e graças a Deus hoje ela só encontrou esses e não o resto dos seus remédios.

Eu compraria um cofre para esconder eles se pudesse pagar por um.

Pego a caixa e olho dentro, é, não adianta esconder, está vazia. Não sobrou quase nenhum.

Tem sido a mesma história toda a minha vida, não importa qual remédio seja, sempre tem algum tipo que ela toma.

Pelo menos não são aqueles comprimidos para dormir que ela tomava quando eu tinha 13 anos, eles deixavam ela mais louca do que de costume, lembro de ter encontrado ela na frente de casa uma noite tentando comer as pontas do cigarro enquanto estava jogada no chão. Juntou com o fato de que ela bebeu, então isso deixou seus efeitos dez vezes mais fortes, mas é assim que as coisas eram.

Eu ainda odeio o jeito que vizinhos olharam para mim, me observando carregar o corpo mole dela pra dentro - era como se eles tivessem pena de mim, era constrangedor.

Eu odeio pessoas me olhando assim.

Pelo menos é só minha mãe agora, poderia ter sido pior, eu poderia ter ela e meu pai morando aqui se ele não tivesse morrido, aí eu teria dois bêbados pra tomar conta.

Muitas vezes me pergunto como seria ter pais de verdade; ter gente que cuida de você, te apóia, te ama. Eu só sei o que é ter duas crianças adultas para cuidar.

Parecia algo que seria legal de ter, eu via como os pais dos meus amigos da escola eram com eles, ainda me lembro da primeira vez que percebi que nem todos os pais ficavam bêbados todas as noites quando eu ficava na casa de uma amiga, lembro de ficar tão chocada e achar o conceito tão bizarro. Sem mencionar o fato de que seus pais não brigavam e realmente gostavam um do outro, eles não terminavam a noite com gritos e buracos nas paredes.

Acho que seria uma boa vida, pena que nunca vou saber como é.

Eu não estou reclamando de tudo isso, eu acho que tem um motivo do universo ter me dado essa vida, e eu realmente só percebo como isso tudo foi ruim quando eu olho pra trás e analiso com a mentalidade que eu tenho hoje, e pra falar bem a verdade, eu até que me saí bem de toda essa situação. Eu tive que amadurecer muito cedo, mas tenho noção de que mesmo eu sendo uma criança que sofreu bastante, eu tive muita ajuda de familiares para que eu não crescesse e ficasse igual algum deles.

Eu ando até o armário branco, pego um cobertor e volto para o sofá franzindo a testa. Eu a agarro pelos ombros, fazendo ela deitar de lado e coloco em posição de recuperação para que ela não sufoque durante o sono com seu próprio vômito, ou qualquer outra coisa que ela possa fazer.

Acho que não era pra isso que eles pretendiam que eu usasse isso quando ensinaram para as crianças no colégio anos atrás, mas veio a calhar.

Eu coloco o cobertor sobre ela e me levanto para olhar para ela sem expressão, parecendo que ela está dormindo muito pesado.

Gostaria de saber como é isso, eu nunca durmo assim.

Eu ando até a lâmpada na mesa do lado do sofá e a ligo, e apago a luz principal no interruptor na parede do lado do sofá, dando a ela uma última olhada antes de arrastar meus pés em direção ao meu quarto.

Abro a porta para ser recebida com outro corpo desmaiado e caído, exceto que este está no chão e ronronando bem alto - eu juro que as vezes ele me acorda com o barulho que ele faz.

Eu sorrio para mim mesma, me abaixando e cutucando sua linguinha que está pra fora. Eu sorrio quando vejo ele juntar as patinha na frente do rostinho e se espreguiçar.

Vejo ele se levantando do chão para pular na cama, roubando o maior espaço da minha cama de casal como sempre.

Tiro minhas botas no canto do quarto e vou para o banheiro tomar um banho e fazer minha higiene pessoal, depois coloquei minha camiseta grande que uso para dormir e fiz uma skin care básica - estou exausta, mas tenho muita agonia de dormir de maquiagem.

Me dirijo até minha cama e ligo a luz fraquinha do meu abajur - sim, tenho medo de dormir no escuro total, e não, não me orgulho de ainda fazer isso aos 22 anos de idade.

Pego minha caneta da mesinha de cabeceira, batendo pensativamente contra a página do meu diário, antes de colocar a tampa entre os dentes, puxando a caneta da tampa e segurando entre os dentes enquanto começo a escrever na página.

Pela primeira vez desde que comecei com isso, escrevo algo novo.

#169 - 07/06/2021

Sorriso bonito e bigodinho fininho.

Senti alguma coisa. Não tenho certeza do quê.

Foi legal.

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