Capítulo 16 - A morte inebria seus sentidos

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       Seus olhos castanhos acompanharam o movimento dele com reprimenda e a branah recuou quando o feérico ruivo tentou afastar o tule afim de afagar os cabelos que lhe restavam. Lohkar ficou vermelho beterraba ante sua recusa. Era um macho alto, de maxila forte e maçãs proeminentes que ressaltavam os olhos verdes quase tanto quanto o cabelo crepuscular. Algumas feéricas o consideravam bonito, com cicatrizes, de batalha e algumas de pôr noites de bebida, na pele trigal. Mas não ela.

         Desviou o rosto, a pele rosada sob o véu. Logo os pombos se tornaram mais interessantes, assim como as barcas no rio, levando flores para os túmulos naquela tarde.

        O macho lambeu os lábios procurando as palavras.

— Me perdoe Lírio d'ouro, minha querida flor. — As sobrancelhas da feérica se torceram, não gostava do apelo daquelas palavras ébrias. Odiava pedidos como aquele. — Perdão, Elawan tinha razão. Não foi possível viver fiel aos meus votos, tive de quebrar minhas promessas. Eu queria...

— Você queria, mas só ele o fez. — interrompeu. Nem se deu ao trabalho de buscar em sua mente. Sabia aonde levaria aquela conversa. Só o rapaz dos canis subiu os degraus naquela tarde.

         As sobrancelhas da feérica se torceram.

— Claro... — Lohkar piscou com súbita compreensão. Passou a língua nos lábios antes de acrescentar: — , minha senhora.

         Um som úmido se desprendeu da garganta do nobre e mais uma vez o corpo do lorde se curvou a cuspir sangue. Sorel lhe segurou a cabeça, afastando os cabelos da face manchada. O feérico já estava azul de tão pálido.

Lohkar vacilava agora.

— Na guerra contra Vinhehiem, levei bronca do Cervo por não usar veneno nas armas — falou Lohkar sem que a feérica tivesse certeza de onde queria chegar. — Tinha ferido o rei deles que fugiu quando tomamos a capital. E eu disse a Cardiff: "Ele está quase morto". E o príncipe retrucou: "Isso ainda é meio vivo. Noventa e nove, não é cem". Estava certo, do contrário a profecia da Grã-duquesa teria feito dele o maior rei deste mundo.

Sorel virou o rosto, torcendo o nariz para o cheiro de sangue coagulado. Apertou a mão do feérico, demasiada fria.

— Cardifd está morto, a Ordem das Bestas se defez e a casa Dulac já não existe! — Sorel chiou como pedra — É uma Skavir que ocupa o trono. O que importa?

— Se o destino fosse escrito em pedra, isso jamais teria acontecido — murmurou o lanceiro, como se cometesse blasfêmia. Contudo, a pontada de dor que sentiu foi surpresa. — Sorel!

     O peito ignescente de Elawan inflou, tomando o ar com dificuldade.

      Sorel se voltou para o lorde e mais uma vez tentou alcançá-lo em seus domínios temendo que desvanecessem para sempre.

      Dessa vez foi expulsa com ainda mais violência.

      Dedos fortes e cobertos de cicatrizes de queimadura apertaram os seus. Não etéreos, mas ossos, carne e vida. Frios como o sol da primavera.

     Lohkar soltou um exagerado suspiro.

— Seu sangue é tão ruim que estava lhe matando, bastardo — falou o lanceiro.

     Sorel deixou o alívio transparecer na visão do sombrio azul. Tempestades habitavam em seus olhos, confusos e pesados a princípio, mas logo se apropriou de quem era.

      Indicou para que a aia limpasse aquela bagunça e a feérica saiu, contrariada, a pedido Lohkar.

      Pombos se colocavam vigilantes nos telhados quando o meio-dia chegou. Sorel já batia os calcanhares inquietos, com o mindinho enfiado entre os dentes. Odiava esperar. Mas ouvia vozes semi-alteradas além da parede. 

Entre Damas e EspadasWhere stories live. Discover now