Capítulo 2

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I

ANTES...

Sarah abriu os olhos lentamente e tentou se acostumar à luz que tornava os sonhos distantes e impossíveis. Viu a brisa leve fazer a cortina branca dançar em movimentos delicados logo acima de sua cabeça. O vento passou por seu rosto e levantou uma mecha ruiva de cabelo, que se balançou preguiçosa e caiu sobre sua bochecha. Vista de baixo, a parede mostarda parecia muito maior do que ela se lembrava. Estou no chão, percebeu. Quando tentou focar os olhos no ventilador de teto, sentiu uma pontada de dor na barriga. Algo pesava sobre ela e, irritantemente, pressionava seu quadril. Levantou uma das mãos e empurrou o objeto para longe como se fosse um mosquito incômodo. O movimento não passou de uma frustrante tentativa de golpear o ar. Para sua surpresa, não havia nada sobre si, só sentia sua pele nua se arrepiando com o passar da brisa. Sarah franziu o cenho. Tentou afastar o sono esfregando os olhos, mas seus dedos pinicaram como uma lixa sobre as pálpebras. As mãos estavam ásperas e a irritação fez seus olhos piscarem várias vezes. Num gesto automático, esfregou as mãos uma na outra. Os dedos latejaram num pulsar lento e constante. Foi quando notou um líquido escuro que endurecera sobre suas mãos. Que sujeira! Ela estava muito cansada para pensar, limparia isso depois. Quando percebeu uma crosta pegajosa sobre as unhas, ficou curiosa. Aproximou uma das mãos perto dos olhos e a analisou com cuidado. Tentou tirar a sujeira com o polegar, mas sentiu a típica eletricidade de uma pele sensível. Não haviam unhas, Elas foram arrancadas, respondeu uma pergunta silenciosa. Sarah arregalou os olhos e a respiração acelerou, os pulmões chiaram com o esforço repentino. Uma bomba de lembranças explodiu em sua cabeça propagando imagens surreais do que acontecera ali. Seu impulso foi de levantar e sentar, mas os braços não sustentavam mais o peso de seu corpo. Ela caiu de costas no chão e soltou um grunhido baixo e profundo. O corpo dolorido e fraco foi entregue a um tremor sinistro, alertando-a de sua acentuada fragilidade. A brisa que vinha da janela misturou o cheiro doce e amargo do sangue que lavava o chão. Rolando o tronco sobre o sangue, ela conseguiu se sentar e olhar ao redor. Ele não está aqui, procurou-o com a visão embaçada. Aguçou os ouvidos para escutar os ruídos vindos de fora do quarto: um ônibus distante; silêncio; a cortina batendo na janela; silêncio. Ela não soube por quanto tempo ficou ali, pareceram horas. O breu na porta dava a impressão de que qualquer coisa poderia sair do escuro.

II

Domingo é dia de transformar meu apartamento em um lugar habitável. Enquanto faço uma faxina, Sam faz algumas ligações e anda de um lado para o outro com um mau humor contido. Acordamos tarde, próximo ao almoço. Acho que é porque fomos dormir já com o Sol surgindo no horizonte.

Sam fez várias perguntas sobre o incidente de ontem na boate e deixou claro que não gostou de eu ter sumido do camarote. Expliquei que não conhecia o cara que me salvou e a recordação dele me puxando com força contra seu corpo fez meu corpo estremecer. Normalmente, não sinto atração por um homem de cara, meu interesse vem com o tempo. Não sou hipócrita para negar que a aparência não chama atenção, mas para mim não passa disso. O cara de ontem me fez sentir algo que não sentia há muito tempo: euforia. E eu agradeço a Sam por me tirar de lá antes de descobrir que o moreno era pai de três filhos e que devia pensão alimentícia. Eu não tive tempo de analisar a situação, não consegui me concentrar, mas o que ficou nítido, é que ele era um tremendo macho alfa. Mas isso não importa mais, porque, como tudo na minha vida, isso virou passado.

Quando acordei hoje, Sam estava assim, com ombros tensos e respostas monossilábicas.

– Está tudo bem?

– Sim.

– Problemas com o apartamento novo?

– Sim.

BlackOnde as histórias ganham vida. Descobre agora