- Presumo que sim… Mas, agora tu. Conta-me algo sobre ti. – deduzi que seria a melhor forma de o retirar daquela melancolia, os italianos tinham sempre um espirito tão vivo e alegre. Era entristecedor vê-lo daquela forma.

- Sou músico. Saí do meu país à procura de condições melhores, sabes? Acabei por ficar na miséria nos primeiros tempos mas lá me safei. Ganhei alguns trocos em Espanha nos últimos anos, comprei um carro em segunda mão e tenciono voltar para onde nasci. Sinto falta de Itália.  – respondeu-me sem mudar a sua expressão.

- Sabes, se queres que eu seja sincera, sempre tive um fascínio por Itália. Apenas fui lá algumas vezes de férias com a minha família. Mas sempre que pisei aquela terra? Eu confesso-te,  apaixonei-me cada vez mais. Para não falar da alegria e vivacidade que o teu povo tem. Vocês contagiam-me. – confessei esperando verdadeiramente que lhe trouxesse algum entusiasmo.

- De verdade? Stupendo! Não fazes ideia do quanto isso me põe feliz. – disse com um pequeno brilho nos seus olhos.

- Fico por feliz por ficares feliz – murmurei pensando que o comentário se restringiria apenas a mim.

Mais tarde despejamos os restos da nossa comida e voltamos a entrar no carro. Devo confessar que este tipo de viagens acabava por ser bastante cansativo, no entanto, era deveras enriquecedor. Tinha visitado mais cidades espanholas do que provavelmente costuma fazer grande parte da população portuguesa hoje em dia. Considero que estamos neste mundo para aproveitar o bom que ele têm e, é demasiado triste pensar que muitos seres humanos não viram nem chegarão a ver nem um quarto da beleza que o planeta terra têm para nos oferecer. Sou totalmente contra o sistema em que vivemos, apesar de compreender que a Anarquia não pode – de alguma forma – ser aplicada de forma geral, recuso-me a aceitar o tipo de governo que nos rege nos dias de hoje. Somos seres humanos, filhos deste planeta e deveríamos ter o direito de ser livres. De viajar para qualquer parte deste mundo sem dever nada a ninguém. De não ter de trabalhar se assim escolhêssemos, aliás, pergunto-me se em certos aspectos não fosse melhor que toda estrutura que conhecemos hoje fosse destruída. Meras dúvidas, penso eu. Poderemos dizer que divago demasiado.

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Depois de inúmeras horas dentro do carro paramos em Vitoria-Gasteiz. Percorremos o local e acabamos por encontrar uma família de espanhóis que nos ofereceu um bom jantar que era sem dúvida de chorar por mais. Conversamos com eles e ouvimos as suas histórias, tudo o que tinham para contar sobre aventuras e segredos da sua família. Foi bom ouvi-los, aliás, aprendi mais com eles naquelas duas horas do que tinha aprendido toda a minha vida sobre Espanha e as suas tradições (pelo menos no que diria respeito aquela localidade). Deverei também acrescentar que era uma cidade magnifica, noutra situação teria ficado mais tempo por aquele lugar.

De qualquer forma tivemos que partir. Conduzimos mais alguns quilómetros  até encontrar um hostel que nos ofereceu um pequeno quarto na parte traseira das suas instalações. Uma cama de casal e uma janela minúscula era o que o constituíam. Depois de o examinar e considerar-mos que estava dentro dos padrões mínimos de higiene decidimos nos instalar.

 Pousei a minha mochila e procurei um pequeno livro que tinha trazido para o caso de não ter mais nada com que me entreter. Assim, deitei-me naquela mesma cama e comecei a ler. Apesar de me ter esforçado para manter-me concentrada no mesmo, não pude evitar desviar o olhar para ele. Encontrava-se debruçado sobre a janela enquanto fumava um cigarro e cantarolava baixinho. Sim, alguns são psicopatas. Mas outros são perfeitamente normais em todos os aspectos pronunciei para mim mesma tentando concentrar-me no livro que tinha entre as minhas mãos. Refleti sobre a frase que acabara de ler e tentei não deixar a minha imaginação apoderar-se de mim. Ler um policial sobre um assassino em serie não era propriamente o recomendado quando estamos na presença de alguém que não conhecemos.

ContratempoWhere stories live. Discover now