Capítulo Um

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Tudo começou quando decidi contar aos meus pais que iria viajar. Não era apenas uma viagem, mas sim, uma jornada em busca de mim própria. Fui chamada de louca, imatura, irracional, tantos nomes que me degradaram. No entanto decidi ignorar, talvez afirmando e dando provas desses adjetivos, mas segui com a minha decisão. Porque, na verdade, desde sempre que esse era o meu sonho.

Quando era pequena tinha muitas dificuldades em afirmar-me, por mais que tentasse a minha personalidade não era estável e tinha tendência em copiar o que considerava ser melhor naquela época. Como qualquer outro ser humano tinha sonhos, algo que queria concretizar, um objetivo. E, do que aprendi ao observar os outros, não queria que a minha vida terminasse num segundo. O que queria eu dizer com isto? É simples. Cedo apercebi-me que a vida, digamos assim, era feita de acontecimentos e decisões cruciais. Que feitas elas, apenas nos restava um caminho aberto para o grande mar negro. A morte. Por isso, decidi muito cedo que não me contentaria com os simples parâmetros instituídos pela nossa sociedade. Não me contentaria com o fim do meu licenciamento, a procurar de um emprego mais a procura paralela de um parceiro, a união de ambos e a constituição de uma família. Parecia demasiado simples para mim, algo faltava dentro deste conjunto de objetivos. Algo que me tornaria em mim. E penso que foi isso o que me moveu. A procura de um desconhecido, qualquer coisa que me garantisse o que o garantido não poderia.

Com pouco mais de 18 anos agarrei numa mochila levando apenas o essencial para a minha sobrevivência e parti para o mundo. Os meus pais fizeram questão de gravar na minha alma que não era bem-vinda ao voltar. Que, ao por o meu corpo para fora da casa deles significaria que não seria mais filha dos mesmos. O que na verdade não me fez ficar relutante, como é lógico – fui invadida por uma sensação de tristeza  mas eu conseguia viver com isso.

O meu primeiro destino era chegar à fronteira entre Portugal e Espanha e partiria daí para o resto Europa. Digamos que poderei ser considerada sortuda pois na entrada de Valença conheci um rapaz italiano que se encontrava a regressar aos seu país natal. Depois de algumas trocas de informações e interesses comuns acabou por se oferecer para dar-me boleia.

Tínhamos uma longa viagem a fazer e, para ser sincera, o seu carro não era nada de especial, o que claramente significava que a viagem poderia não ser o mais confortável. Mas vendo de outro ponto seria cruel queixar-me de algo gratuito e feito de boa vontade. Assim, continuei calada observando a paisagem que aparecia à medida que enveredávamos por Espanha a dentro. Tínhamos um comentário ou outro que acabava por surgir esporadicamente mas nada que fosse suficiente sólido para suster uma conversa. No entanto, depois de alguns dias a dormir no banco de trás e a parar em restaurantes aleatórios de comida duvidosa, acabamos por formar uma certa cumplicidade e, certo dia, quando nos encontrávamos sentados em cima do capô do carro, ele resolveu dar uma chance a uma possível amizade.

- Então… diz-me. O que levou a uma jovem rapariga caminhar sozinha por tanto tempo e sem destino aparente? – perguntou o alegre italiano.

- Poderia levar dias a explicar-te o que verdadeiramente sinto em relação ao que estou a fazer mas prefiro limitar-me a dizer que quero encontrar-me, quero descobrir quem eu sou. – respondi olhando fixamente para o horizonte.

Ele desviou por momentos os seu olhar para mim sorrindo levemente, voltando de seguida a pôr os seus olhos na sandes que se encontrava entre as suas mãos. Passaram mais alguns minutos até ele ter voltado a prenunciar-se.

- Sabes, tu fazes-me lembrar quando era mais novo. Mas muito mais corajosa, com certeza.

- O que queres dizer com isso? – respondi sem prestar devida atenção nas suas palavras.

- És tão nova e tens tanta fé no mundo que te rodeia, tenho saudades de me sentir assim. Livre,  à procura de um desconhecido. Era fantástico, pelo menos enquanto não fui desiludido pelo mesmo. Mas não interessa, um dia tu irás compreender. – respondeu-me ele monotonamente

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⏰ Last updated: Mar 20, 2015 ⏰

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