Capítulo 1

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      Ao recostar na árvore para descansar fui envolta por um redemoinho de luzes. 

     Quando abri os olhos percebi que não estava mais no quintal de casa. A laranjeira tinha sumido. Em seu lugar estava uma árvore, por onde podia ver a seiva fluindo.  

       —Zabwino mwafika. 

       Deparei com uma criatura que aparentava ser uma junção entre uma borboleta e uma mulher. De suas costas saiam asas multicoloridas. Pisquei os olhos várias vezes, esfreguei-os, no entanto, a criatura ainda estava ali. O sol brilhava em seus lábios, quando sorria. Os cachos emolduravam um rosto de tez negra. Falava uma língua que não entendia. A confusão devia estar estampada em meu rosto pois ela parou de tagarelar e mexeu na sua bolsa. Pegou um vidrinho e estendeu-me. 

        — Beba ... você ... entender ... meu língua — falou olhando-me enquanto eu bebia — ótimo. Que bom você chegou! Bem-vindo à Burtrits, Maya. Sou a marquesa Nayren e esperava-te há muito tempo.  

       Não sei se o que me surpreendia mais era ela saber meu nome ou o fato dela dizer que me aguardava.  

      — Como assim? Que lugar é esse e quem é você? 

      A risada dela contagiou-me e eu sorri. 

      — Aqui é o reino de Nkhalango, sou sua guardiã e ... 

       O som de um galho se quebrando interrompeu-a. Seus olhos arregalaram-se e seja o que tivesse feito o barulho não devia ser algo bom. 

      — Droga! Não temos tempo — disse, segurando-me pelos ombros, saltou e num instante estávamos sobrevoando a mata.  

       O medo e a adrenalina duelavam pelo domínio em meu sangue. A vista era incrível. Passamos por cima de uma cachoeira e os respingos da água me atingiram. Nayren pousou do outro lado. Prescrutou os arredores e acalmou-se um pouco, embora ainda olhasse de quando em quando para a floresta. 

      — Me diga o que está acontecendo. 

         — Você é Mayen, filha de Amayi. Ela é a rainha dos gulugufe, o povo borboleta. Quando você tinha um ano, Slyek, irmão do falecido rei, convocou o exército e atacou o palácio. Sua mãe e um pequeno cortejo, fugiram para a floresta. Ao chegar, porém, a dama de companhia traiu a todos. A rainha teve tempo apenas de entregar você à sua babá e enviá-las à Terra. Logo após foi capturada e acusada de ter envenenado teu pai. O novo rei armou um julgamento fajuto para agradar à nossa sociedade e executou-a. 

        — É muita informação para minha cabeça — o ar começou a faltar, minhas vistas escureceram, o coração começou a palpitar.  

       Ótimo! Sentei-me em uma pedra e respirei fundo até acalmar as batidas 

       — Como posso ser filha de quem você diz se nem asas tenho e até hoje pela manhã estava na minha casa, no Brasil? Isso tudo deve ser uma alucinação. 

        Quando ela ia me responder um estrondo reverberou pela floresta. Abriu as asas pronta para outro voo, contudo dessa vez não houve tempo. Dois soldados apareceram à nossa frente, espada em riste. 

      Nayren sacou a sua e voou. Foi seguida por eles, e no ar a luta se travou. Espada contra espada, o som chegava até mim. Eu mal conseguia ver o que ocorria. Fitei aflita o céu. Subi em uma árvore para poder ter uma visão melhor e a cena que se desdobrava ali me surpreendeu.  

      A marquesa bloqueava os golpes e contra-atacava. Os dois soldados pareciam não ser páreo. Voavam para longe e ela os perseguia. Alcançou um bateu com o cabo da espada, fazendo-o desmaiar e cair em cima da árvore que eu estava. Ao perceber o corpo aproximando-se, desci. Fui alcançada quando estava perto do chão e o baque me derrubou. Empurrei-o e me agachei para levantar. Dei de cara com uma espada apontado para minha cabeça. 

      A mão que a segurava pertencia a um homem alto. Suas asas eram esmeraldas, e sua farda de cor igual, demonstrando que era outro guarda. Dei uma cambalhota para trás, célere, e peguei a arma que o soldado caído ainda segurava. Levantei-me de um salto 

       Minha mãe, insistia que eu deveria estar sempre pronta para os ataques dos índios que aconteciam na colônia portuguesa na América. Por isso ela me ensinou defesa e ataque, com armas. Agradeci-a mentalmente, enquanto atacava meu oponente, que não esperava. Ele deu um leve voo para sair do meu alcance. Ótimo. Eu não tenho asas. 

      —Não seja covarde. Eu não posso sair do chão. Enfrente-me como um guerreiro, aqui embaixo. 

       — Tens razão — ele desceu — não que eu precise voar para te vencer, ser insignificante. 

      Eu sorri de lado. Parti para cima dele, que bloqueou meu ataque. Nossas espadas dançavam e o som que saía delas era música para meus ouvidos. Ele passou a me atacar com mais ferocidade. Percebi, no entanto, que quando atacava, tendia a baixar a guarda no lado esquerdo. Perfeito. 

      Esperei por mais golpes, bloqueando, porém, fingia estar enfraquecendo, como se o peso da espada estivesse sendo demais para mim. Fui recuando, e vi quando o triunfo bailou em seus lábios. A confiança crescia nele na mesma proporção que o descuido. Quando encostei na árvore, ele arreganhou os dentes, como se rosnasse, e golpeou. Como esperava, baixou a guarda. contra-ataquei enfiando a espada em seu flanco esquerdo. 

      Ele segurou o furo que deixei, olhando-me. Tentou voar, mas nessa hora a marquesa chegava, após ter derrubado o outro soldado. Acuado entre nós duas, ele tentou atacá-la para fugir. Então espetei-o no coração.  

     — Bravo! Não sabia que você lutava tão bem. 

       — Minha mãe, Julia, fez questão de me ensinar, ela dizia que era por causa dos índios canibais. Acho, agora, que deve ter sido por causa disso tudo aqui. 

        —Fico feliz em saber que ela cumpriu bem seu papel. Esses aqui eram batedores do exército do duque Mfumu. Não demora e aparecerão os outros. Temos que sair daqui agora mesmo. 

        — E pelo visto o duque é amiguinho do meu tio e quer me matar? 

       — Ele ainda não sabe que você chegou. Aqui estamos em perigo. Vamos.  

        Falou e pegou-me pelos ombros e outra vez voamos. 

 

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