Grandes olhos negros

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Mesmo sendo uma miniatura de gente, ninguém nunca havia questionado o seu potencial e descartado sua evidência como prodígio. A janela de vidro do terceiro andar não seria a primeira coisa a se tornar um empecilho para conseguir o que queria, algo que no momento se referia a livrar-se da praga e roubar dangos* da cozinha.

Como acontecia sempre que utilizava habilidades que alguém tão jovem (e a maior parte da população mais velha) não possuía, a paisagem se distorceu ao seu redor, transformando-se por sua velocidade e modificando-se pela sua falta de senso de preservação. Não era uma coisa que ele realmente conseguia controlar, não por completo, mas que lhe surgia com tamanha naturalidade que não encontrava motivos para não aproveitar.

Ao menos ninguém nunca se machucava no processo e o próprio Saturo contava com uma resistência alta demais para que alguns arranhões o incomodassem. Seu pai costumava brincar de persegui-lo pelo território e incentivava que ele tentasse alcança-lo, enquanto sua mãe observava de longe coberta por preocupação. Sua mente infantil começava a entender que não teria mais o luxo de se divertir de tal forma, ninguém disposto a gastar seu tempo o entretendo era capaz de acompanha-lo, mesmo quando a contragosto se obrigava a ir mais devagar. Uma realidade irritante.

O menino ultrapassou o vidro de seu quarto e se afastou, ele não sentiu o material se rompendo contra sua pele ou o impacto do chão contra os seus pés, mas seus lábios se curvaram em satisfação enquanto seu ouvido captava os primeiros sinais de desaprovação do resto das pessoas que ocupavam sua casa, a primeira arfada de surpresa. Ele se afastou até que seus sentidos sensíveis deixassem de alerta-lo sobre aquelas presenças desagradáveis e não demorou para encontrar um lugar distante na floresta que cercava sua moradia, uma pequena clareira repleta de flores que costumava lhe trazer alguma paz. Não que ela passasse a mesma sensação atualmente, mas ainda o agradava.

Gojo se jogou no chão familiar, relaxando quase imediatamente. O caminho até ali já lhe era tão conhecido que podia executa-lo de olhos fechados, algo que aliviava sua percepção do mundo, não que ele soubesse o por quê. Esse costume não foi rejeitado na ocasião, apenas durou menos tempo do que o esperado. Claro, ele já não percebia o contar dos segundos como os outros faziam, porém poderia dizer que não haviam passado dois ou três desde o momento em que parou até o instante em que sentiu alguém parado bem ao seu lado.

- MAS O QUE? - Sua voz fina entoou ao ver a criatura quieta ali, lhe encarando com as sobrancelhas franzidas como se estivesse irritada por sua fuga.

Ele se levantou em um pulo, horrorizado. Não que a menina se importasse, ela estava muito maravilhada com as flores ao redor agora para se dignar a lhe dar atenção. Suas exclamações de indignação também foram prontamente ignoradas. Quem foi o gênio que decidiu atazanar sua vida com alguém que nem mesmo conseguia entender suas ofensas?

Sua melhor explicação do porque ela não era bem vinda também não funcionava, embora sua linguagem corporal tenha pelo menos chamado atenção dela.

- Gojo-sama..? - Falou a coisinha intrometida, provando que, além de ser capaz de infernizar sua vida, ela também conseguia produzir sons. Por que essa raiva toda com alguém que conheceu a menos de meia hora? Ele também não sabia, mas não se importava. A menina testou seu nome em sua língua como se fosse uma pronuncia muito complexa, que não desejava errar e, parecendo satisfeita com o resultado, fez questão de repetir. - Gojo-sama!

De alguma forma o garoto percebeu que dizer seu nome significava mais do que apenas constatar que ela sabia como devia chama-lo. Alguém por aqui tinha capacidade de interpretação e ele não vai enfatizar quem é! (E nem considerar que ela estava ignorando seu chilique de propósito, porque paciência lhe impedia de atacar as pessoas.)

Farto de sua presença e apenas para desmotiva-la, ele decidiu que se a menina queria persegui-lo, que o fizesse até se esgotar! Virou suas costas e estava pronto para partir, até mesmo começou a faze-lo, mas então, já na mesma distorção de espaço que presenciou anteriormente, sentiu sua mão sendo agarrada por uma força extraordinária que tentava para-lo. Não que aquilo fosse o suficiente para isso, já que sua própria força era consideravelmente superior, no entanto foi o bastante para despertar sua curiosidade e faze-lo frear repentinamente.

A coisa quieta parou em reação a interrupção iniciada por ele, embora tenha caído de cara no chão por seu despreparo. Ela não soltou sua mão em momento nenhum e agora bufava de susto conforme se erguia outra vez, estampando um corte superficial na testa. Aqueles olhos negros devolveram seu olhar com irritação e sua determinação garantia que não fugiria mais uma vez, não por enquanto.        

A menina, como era mesmo o nome dela? Tanto faz. A espécime de velociraptor examinou seu braço com suspeita, como se estivesse procurando por algo. Aqueles olhos tão escuros eram difíceis de desvendar, mas ele conseguia ver traços de preocupação em suas feições. Sua mente infantil não se lembrava de alguém, além de sua mãe, que lhe mostrasse aquele sentimento tão sinceramente e isso o paralisou, de certa forma.

Com a mãozinha desocupada ela levantou um ponto rasgado da manga de sua blusa. Gojo não se lembrava daquilo estar ali antes.

As sobrancelhas claras se franziram novamente, porém agora expressavam concentração e foi só então que ele notou, pelo toque da outra pele, que havia algo alojado em sua carne.

Ela arrancou do ponto incomodo um pedaço relativamente grande de vidro e lhe encarou com um sorriso enorme. Imperturbada pela falta de sangue, como se houvesse completado uma missão muito importante.

Ver aquele rosto manchado de terra e escarlate do próprio ferimento o olhando como se ele fosse alguém que precisava de cuidados fez seu coração doer. Não, a garota não o via como alguém diferente, alguém que deveria afastar, isolar ou aceitar apenas por obrigação. Ela não enxergava o infinito entre ele e as outras pessoas, o acompanhava como se estivesse junto de um igual.

De repente o motivo de terem a trazido para sua casa apareceu em sua mente. Havia alguém no mundo que conseguia caminhar ao seu lado e eles a colocaram ali para que pudesse fazer isso. Talvez aqueles estranhos se importassem de fato e o entendessem de alguma forma, porque quando a compreensão o atingiu, a solidão que o consumia tornou-se muito menos espessa.

Tal constatação mereceu um período de reflexão, em busca de uma informação muito importante.

- Uyara-chan. - Satoru disse apertando a mão dela de volta e pelo brilho que atravessou aquela imensidão negra de seus olhos, foi possível saber, ela havia lhe entendido.

{...}

Dango: Doce japones com três cores e sabores de feijão vermelho, chá verde e ovo.

Jujutsu Kaisen - Orbitando um buraco negroWhere stories live. Discover now