Do outro lado da vida

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para Lohana Neves Souza


Num dos primeiros meses de 2003, minha sobrinha Lohana, então com oito anos, não estava dormindo muito bem naqueles dias. Acordava assustada e, por conta disso, seus dias não eram lá muito bem-humorados. Para piorar, havia morrido a mãe de Flávio, muito amigo da Nilda, minha irmã e mãe de Lohana. Nilda, dividida entre ir ao enterro e preservar as filhas daquele ambiente, decidiu levá-las, sim, mas de forma que ficassem apenas o tempo necessário.

Cinco anos antes, Lohana e a irmã Juliana, um ano e meio mais nova, tiveram o primeiro contato com esse tipo de perda. Meu pai, avô delas, falecera devido a um segundo enfarte. Elas eram muito agarradas a ele, que também adorava as netas. Lohana, por ser a mais velha, sofrera mais com sua ausência. Juliana não tinha grandes recordações.

Nilda preferiu chegar ao cemitério na hora do enterro, ficando assim o mínimo possível. Além do que era naquele mesmo lugar onde estava sepultado nosso pai, e o ambiente não lhe trazia boas lembranças. Chegou com as meninas, prestou seus pêsames e, em procissão, começaram a subir o morro em direção ao túmulo. Nilda ficou mais para trás, não iria deixar as filhas assistirem ao final do ritual.

– Mãe, eu queria ver o vô!

– Mas, Lohana, eu nem lembro direito onde ele está.

De fato. A cova de papai ficava em meio a um emaranhado de direitas e esquerdas, idas e vindas, um verdadeiro labirinto. Mesmo com os números devidamente afixados a pequenas placas no chão, quase se precisava de um mapa para encontrá-las. Lohana acatou, embora contrariada.

Terminado o sepultamento, o cortejo começou, então, a descer o morro. Subitamente, Lohana disparou à frente, ansiosa, dizendo que seu avô a chamava. Juliana, temerosa, e sem entender direito, agarrou-se à mãe que se apressava para não perder a outra de vista.

– Corre, mãe, ele está me chamando! Ele está me chamando!

Lohana ziguezagueava pelas aleias entre as covas e, de repente, parou em frente a uma das placas:

– Vem, mãe, vem!

Nilda e Juliana levaram alguns instantes para alcançá-la.

– O vô estava te chamando também, mãe! Ele estava rindo, estava te chamando! – disse, extasiada.

Nilda, perplexa, percebeu que Lohana estava exatamente no local onde ele havia sido sepultado, e sentiu um aperto no peito.

– Mas, como é que você o encontrou, minha filha?

– Ele estava me chamando!

Ainda empolgada, Lohana pediu para que rezassem por ele.

– Mas, que oração?

– Não é possível, mãe. Você não sabe rezar?

– Salve-rainha, eu não sei.

– Pode ser Ave-Maria ou Pai-Nosso.

Concentradas, rezaram. Nilda, em pensamento, agradeceu a Deus por ver a grande ligação que ainda havia entre avô e neta, mesmo depois de tanto tempo. Depois saíram correndo atrasadas, o cemitério estava fechando. Lohana foi cantando, feliz. Dormiu bem naquela noite. E nas outras também.

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