O viajante, extremamente bem articulado, pronunciou suas palavras com um típico sotaque da cidade.

– Boa tarde, galera. Estou perdido na estrada. Vocês poderiam me dizer a senha do wifi para que eu possa voltar para casa?

José Caldo e Maria das Luzes se entreolharam. O que era esse tal wifi? Essa palavra lhes soava estranha.

– O que é isso? – perguntou José Caldo, quase em monossílabos. No vilarejo, a linguagem era curta e simples. De nada valia gastar salivas com palavras que poderiam ser economizadas.

– Ah! Vocês são engraçados... Esse povo do interior faz umas piadas ótimas. Bem... Eu sou formado em história e, por isso, não entendo de informática. Não sei definir o wifi. Mas posso dizer que é a melhor coisa do mundo.

– Me conte sobre a vida na cidade! – disse Maria das Luzes, entusiasmada.

– Ora... Vocês são ótimos. A cidade, sabe como é, né, é um lugar meio caótico. Tem mil coisas pra fazer, mas a gente se perde em cada uma delas. Aqui no interior as pessoas são mais relaxadas. Posso sentir uma verdadeira calmaria.

– Por que você veio ao vilarejo? – perguntou André dos Anjos, o mais pragmático de todos.

– Eu me perdi. Inclusive fiquei surpreso, já que o Google Maps não está funcionando.

– Pois volte para onde você nasceu! – gritou André dos Anjos – Não queremos estrangeiros aqui.

– Não faça isso... – retrucou Maria das Luzes – Eu quero conhecer a cidade.

– Esse lugar é mais estranho do que eu pensei – concluiu o estrangeiro.

Logo em seguida, o estrangeiro olhou ao seu redor e se surpreendeu com a precariedade da situação. O vilarejo não tinha água encanada, eletricidade nem ruas asfaltadas. O estrangeiro se questionou sobre o porquê da civilização não haver chegado ao vilarejo. Tendo aprendido na escola que vivia em um mundo globalizado, se perguntou: onde estava a globalização ali?

O viajante questionava os habitantes sobre o mundo exterior. O que vocês sabem sobre a ascensão da China? O que vocês pensam dos conflitos no Oriente Médio? Qual é a opinião de vocês sobre Hitler? Inúmeras vezes, os habitantes do vilarejo cogitavam conhecer alguma coisa, mas sempre se enganavam. Pensavam que Hitler era italiano, que a China ficava na África e que o Oriente Médio era, na verdade, um estado americano.

O viajante instruía a todos sobre o mundo exterior. Como historiador, explicava todos os detalhes sobre os diferentes processos sociopolíticos da sociedade moderna. Os habitantes do vilarejo ouviam atentamente, curiosos quanto ao mundo exterior.

– Sabe, gente... Eu gosto de morar aqui. Quando eu vivia na cidade, tinha que me preocupar com dinheiro, trabalho e faculdade. Aqui não há nada disso. Vocês sabem aproveitar a vida.

O viajante, outrora incomodado com a ignorância dos habitantes do vilarejo, agora admirava o modo como eles viviam a vida.

– Aqui vocês vivem no presente. Na minha terra, vivemos ou no futuro ou no passado.

O viajante passou um tempo indeterminado no Vilarejo. Não ousou voltar para casa. Tinha encontrado seu lar naquele confim do mundo. A sociedade moderna não o atraía mais.

***

Tempos depois, uma nova reviravolta ocorreu na história. Uma bela manhã, que aparentemente não tinha nada demais, o vilarejo recebeu a visita de um visitante um tanto desagradável.

Seu nome era Antônio José Pereira Pedro Santos. Vestia um terno escuro, sapatos de couro e calças cinzas feitas de um material desconhecido. Com uma voz imponente e uma linguagem impecável, ele falou:

– Venho em nome da empresa Casa Nova. Venho lhe dizer que vamos construir um shopping aqui nesse vilarejo. Vocês têm até terça-feira para se mudar daqui.

Os habitantes tentaram contra-argumentar:

– Vivemos aqui há gerações – disse José Caldo – Vocês não podem nos mandar embora.

– Vocês podem construir o shopping em outro lugar – disse André dos Anjos.

– Eu venho da cidade e escolhi viver aqui – disse o viajante – Não quero sair da minha nova casa.

Antônio José Pereira Pedro Santos ouviu os habitantes do vilarejo com pena. Pediu desculpas, mas não havia nada que ele pudesse fazer. Só estava cumprindo ordens. Deu um abraço nos habitantes do vilarejo e pediram para que eles pegassem seus pertences para se mudar para a cidade.

Os habitantes do vilarejo não se deram conta de que terça-feira era no dia seguinte, tendo em vista que eles não marcavam o tempo. Assim, continuaram a viver normalmente, imaginando que essa data seria no mês que vem.

No dia seguinte, receberam novamente a visita de Antônio José Pereira Pedro Santos junto com um grupo grande de engenheiros, arquitetos e pedreiros. Esses profissionais, que só conheciam a cidade grande, ficaram encantados com o modo de vida dos habitantes do vilarejo. Um deles disse:

– Queria eu viver assim.

Maria das Luzes estava mais do que entusiasmada para conhecer a cidade grande. Ela esperava que por lá as coisas fossem diferentes. Já José Caldo chorava, pois gostaria de viver o resto da vida no vilarejo.

– Eu vou ensinar vocês a viver na cidade grande – disse o viajante aos habitantes do vilarejo.

***

Na terça-feira, os habitantes do vilarejo foram em direção à cidade grande. Pegaram um pequeno ônibus que, carinhosamente, chamaram de carroça de metal.

Todos na carroça ficaram surpresos com a aparência dos habitantes do vilarejo. Sujos, maltrapilhos e feios, pareciam que tinham saído da idade média.

Ao chegar na cidade grande, eles ficaram extremamente surpresos com a grandeza dos prédios e a velocidade dos automóveis. Contudo, se chocaram também ao perceber que o céu noturno não brilhava por lá e que as pessoas, ainda que cultas, nunca sorriam nem cumprimentavam as pessoas que encontravam pela rua.

O que aconteceu com os personagens deste conto? O viajante conseguiu emprego como professor de história em uma escola para crianças. Ele sempre contava sobre sua vida no vilarejo, bem como a respeito da época em que mais foi feliz da vida. Quando contava sobre a revolução industrial, se lembrava do pequeno povo em que viveu que parecia estar parado no tempo, no qual a modernidade não havia chegado.

Maria das Luzes conseguiu um emprego como balconista em um dos restaurantes mais caros da cidade. Lá tinha contato com muitos turistas de todo o mundo que lhe contavam como era a vida em outros países. Ela sequer sentia falta da vida no vilarejo.

José Caldo não conseguiu lidar com a vida na cidade grande. Depois de muito trabalhar, comprou uma casa grande com um quintal, onde vivia a maior parte de seus dias. Lá cuidava das plantas e das flores, imaginando que estava de novo no vilarejo.

André dos Anjos foi trabalhar em um museu sobre a vida no campo. Os visitantes que nada conheciam sobre esse tipo de sociedade ficavam felizes em trocar ideias com ele.

E quanto ao vilarejo? Esse não existe mais, exceto nas memórias de André dos Anjos, José Caldo, Maria das Luzes, Antônio José Pereira Pedro Santos, o viajante, os engenheiros, os pedreiros e arquitetos.

Essa é a história de um único vilarejo. Entretanto, também pode ser a de todos.

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