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Eu encarava a foto que havia tirado dela enquanto estava distraída em meu celular pelo que pareciam horas, e a cada segundo parece que a dor só aumentava. Katherine me deixou, simplesmente foi burra o suficiente para dirigir totalmente bêbada depois de sair da minha casa completamente brava após mais uma briga, coisa que era constante nos últimos anos.

Algumas horas depois meu celular tocou, achei que fosse ela me ligando para pedir desculpas, mas quando me falaram eu precisei perguntar duas vezes se aquilo não era algum tipo de brincadeira idiota dela com seus amigos. Mas não era. Me lembro de sair correndo de casa para chegar ao hospital o quanto antes. Mas já era tarde demais, ela morreu a caminho do hospital, ao que parece teve uma hemorragia interna. Ela sangrou até morrer. Deus, eu preciso de uma bebida e esse padre não cala a porra da boca.

Eu sou tão covarde, que nem tive coragem de me aproximar do caixão, e já estou aqui há horas. Simplesmente não consigo vê-la... morta.

— Hero... Eu sinto muito. — Daniel, meu amigo desde o colégio, se aproxima e senta-se ao meu lado enquanto dá um aperto que deveria ser reconfortante em meu ombro. Não olho para ele e mantenho minha cabeça abaixada, ainda olhando para o celular.

Desde que recebi a notícia, não consigo fazer nada. Não consigo comer, beber, falar. A dor, aquela coisa sufocante, não me deixa esquecer nem por um momento. Me pergunto se algum dia eu vou conseguir superar isso, se vou dar a volta por cima. No momento, acredito que não.

Porra, vou começar a chorar a qualquer momento, sei disso, então corro para o banheiro e entro na primeira cabine, sento na tampa do vaso e choro tudo o que estava segurando nessas últimas horas.

Nunca soube lidar com sentimentos, e hoje o arrependimento de nunca ter dito um '' eu te amo'' para Katherine me corrói por dentro. Lembro que isso já foi motivo de uma de nossas brigas. Eu sei que pode ser meio cruel, apenas não via a necessidade de dizer isso pra ela, porque acredito que ela sabia que eu a amava, eu acho. Porra isso é muito complicado.

Enquanto seco as malditas lágrimas, me assusto quando batem na porta da cabine. Prendo a respiração por um momento.

— Hero, sei que está aí, por favor saia. – diz minha mãe com uma voz suave. Reviro os olhos, mas abro a porta e arrumo a camisa social preta que eu odeio mais do que tudo agora.

– Eu sei que não é fácil querido, mas você precisa ser forte. -diz passando a mão pelo meu rosto. Queria abraça-la, mas me retraio de seu toque e saio do banheiro. Eu preciso ver ela, preciso ter coragem. Antes não tinha me dado conta, mas vários amigos desde a época da escola até professores e alunos da faculdade, do trabalho, estão aqui.

Com as mãos tremendo, caminho até o caixão e observo seu belo rosto que um dia já foi corado, mas agora está fodidamente pálido. Os lábios que eram tão rosados e bonitos agora estão roxos, as mãos estão com alguns machucados e observo que ela está com o colar que dei de presente em seu aniversário de dezesseis anos, o símbolo do infinito. Ela dizia que era brega, mas fofo. Quem colocou isso nela? Qual a necessidade de por isso nela se vão enterrá-la?

Toco em sua mão gelada e aperto levemente, sentindo as malditas lágrimas começarem a pingar novamente. Fico a observando por um tempo, pensando em tudo o que eu poderia ter feito para sermos melhor juntos, mais felizes.

Aquelas coroas de flores horríveis e fedorentas começam a me incomodar, o cheiro invade meu nariz, causando uma reviravolta em meu estomago. Preciso sair daqui.

– Eu te amo, Katherine. Me desculpe por ter sido um babaca muitas vezes e nunca ter lhe dito isso antes. - Senti uma mão no meu ombro e quando olhei, vi que era Ashley, sua melhor amiga.

— Ainda não acredito que ela morreu. -falou chorosa. Senti vontade de revirar os olhos e mandar ela à merda. Nunca gostei dessa garota. Mas como estávamos na porra do velório da minha namorada, tentei manter a postura.

Achei que conseguiria manter a calma no enterro. Achei que enquanto todos diziam lindas mensagens de conforto e citavam frases feitas, não iria me abalar. Eu estava errado, a hora exata em que o caixão estava sendo posto no buraco em que ela ficaria, eu surtei. Comecei a tremer e a soluçar, agora sem vergonha se alguém veria ou não meu estado. Depois que todos foram em bora, eu continuei ali, olhando fixamente pro tumulo, com uma rosa branca nas mãos, enquanto lia os dizeres '' Filha amada, amiga leal e amorosa''. Estava anoitecendo e como se eu estivesse em algum filme, uma fina chuva começou a cair. Olhei para o céu e pensei, se existe mesmo um céu, será que ela estará lá? Espero que sim, estará livre de toda essa merda.

Senti um súbito rancor ao pensar nisso, ela não vai ter que lidar com a saudade, com a dor que está causando. Como sempre ela fez questão de ser o centro das atenções. Droga que merda eu estou pensando?

Me levantei, limpei a sujeira da minha roupa, dei um beijo na flor e a depositei em cima do túmulo e sai daquele lugar que começava a me dar arrepios. Caminhei por um tempo, ignorando as ligações insistentes tanto da minha mãe quanto de Daniel. Entrei em uma espelunca qualquer e pedi uma garrafa do uísque mais forte que tivesse ali. Bebi, não sei se foi apenas uma garrafa, ou se misturei outras bebidas, só sei que fiquei muito bêbado, e acabei dormindo no banheiro da espelunca enquanto chorava feito um idiota.

14:06 pm

Assim que cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi correr para meu quarto – com uma grande dificuldade, já que parecia que eu estava bêbado ainda- e ignorei as várias perguntas que minha mãe fez assim que escutou o barulho da porta.

Fiquei lá pelo resto do dia sem me preocupar em me alimentar ou até mesmo tomar banho. Só fiquei lá, deitado, olhando para o nada e sentindo aos poucos, a dor me corroendo por dentro.

Passaram-se três semanas desde a morte de Katherine. Não ia para a faculdade, nem para o trabalho, só saía de casa para encher a cara, voltava, vomitava, chorava e me trancava no quarto de novo. Meus pais começaram se se preocupar, o que me deixava muito irritado, pois eles conseguiam ser extremamente chatos e invasivos. Até entendia o lado deles, mas será que eles não entendiam o meu? Porra, eu perdi minha namorada, só preciso de espaço. Não quero falar, não quero comer, não quero fazer nada, só ficar no meu canto. Porra é tão difícil me deixar fazer isso?

Tinha dias que eu achava que estava bem, acordava menos na merda do que no dia anterior. Mas qualquer coisa rapidamente me fazia voltar para o abismo, um cheiro, uma comida, qualquer coisa eram suficientes para fazer eu me lembrar dela. Como se não bastasse, parece que desenvolvi um lado masoquista, pois as vezes ligava para o número dela várias vezes apenas para escutar a mensagem automática e para deixar o recado do outro lado da linha.

— Porra, porque você me deixou? Porque fez isso com a gente? Eu não mereço isso Katherine, por mais que eu não tenha sido um bom namorado as vezes... eu só quero paz... você não sai da porra da minha cabeça! Inferno! - dizia desesperado enquanto chorava e caia no chão, na raiva joguei meu celular na parede, mas por azar ele não quebrou. Minha mãe deve ter escutado o barulho pois no minuto seguinte ela escancarou a porta e me olhou com aquele maldito olhar de pena, se ajoelhou ao meu lado e me abraçou, afagando meu cabelo. Me deixei levar e aceitei seu abraço, talvez era disso que precisava, pois ali, no chão, no colo da minha mãe, eu desabei. Deixei que toda a escuridão, toda a dor, saísse em forma de lágrimas.  

Besides The Life | HerophineWhere stories live. Discover now