23 - corredor de sonhos

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minha vida é um corredor de sonhos:
não importa o quanto eu ande,
eu nunca saio do lugar
As coisas mudam, mas continuam iguais

passos e mais passos,
mais esforço do que consigo fazer
(mas nunca o suficiente)
eu mudo tudo de lugar, mas nada está diferente

as coisas têm mais de um ponto de vista,
diferentes lados de uma mesma coisa.
Só que minha vida é um círculo:
uma infinitude de erros e desgraças sem direito à pausa

não adianta trocar a câmera
se a imagem continua a mesma;
porque um triste pôr do sol não se torna um belo amanhecer
apenas com a troca de uma lente

não consigo fugir
das coisas ruins da minha vida
porque eu estou
em todo lugar que vou

não consigo lidar com nada
porque o barulho dentro de mim é alto demais
e o barulho de fora
eu não consigo controlar (ele não para, não para)

como lutar contra algo
que nem mesmo consigo entender?
e como entender algo
se nem mesmo consigo pensar?

sinto que me alienei de mim mesma
vivo em segundo plano na minha própria vida.
E agora nem mesmo sei quem eu sou,
nem mesmo me lembro o que eu faço

copo cheio, copo vazio: quem eu sou?
Sou um copo quebrado
não sei quanta água tem dentro de mim,
mas ela está diminuindo,

ela pinga por entre as rachaduras
da minha carcaça destruída
a água pinga lentamente
e é suficiente para afogar todos ao redor

quando uma fruta está podre,
é melhor jogar fora; ou
ela vai fazer com que tudo que está por perto
estrague também

eu sou uma pessoa podre por dentro
(talvez por fora também)
o único futuro que eu tenho
é o de destruir as pessoas

o mundo seria um lugar muito melhor para mim
se eu não existisse
o mundo seria um lugar muito melhor para todos
se ele próprio não existisse

quando comecei a menstruar, eu sentia muita cólica
e havia um lugar na minha barriga
que clamava por ajuda: "uma faca enfiada aqui
e a sua dor não vai mais existir"

Mas eu sabia que isso só iria piorar tudo
Hoje em dia, esse sentimento se espalhou
e eu sinto uma dor na alma
(se é que eu tenho uma)

um arrepio no pulso
("é só um cortezinho bem fundo
e eu prometo que sua dor vai embora")

uma coceira na garganta
("tome remédios suficientes pra uma overdose
e tudo vai acabar")

um aperto no peito
("eu imploro, pegue a faca mais próxima
e enterre sua lâmina inteira no seu coração")

Só que, dessa vez, não tenho tanta certeza
de que não vai funcionar
Talvez vá doer, mas seria a última dor
que eu sentiria na minha vida
(um sofrimento  l i b e r t a d o r)

Eu quase não tenho mais um lado racional,
ele está sendo deixado convencer por esse sentimento.
Os pensamentos malucos se tornam
cada vez mais  n o r m a i s

Um desespero enorme toma conta de mim,
uma angústia tão grande e pesada
que me impede até mesmo de respirar
Eles gritam em minha cabeça o tempo todo

E me dizem que a única forma de acabar com eles
- a única forma de me salvar -
é pela morte
(e eu estou quase cedendo...)

as pessoas são bombas-relógio
que me ferem sem se ferirem;
quanto tempo até elas explodirem
e sumirem da minha vida?

quanto tempo até eu perceber
que os destroços e os estilhaços
não vão se reconstruir e voltar a ser
as pessoas que outrora foram?

porque minha mente está programada
pra analisar a todos incansavelmente
e tentar revelar o horário da explosão?
Mal chegam e eu já me pergunto quando será a partida...

Meu corpo se tornou sensível:
qualquer barulho se parece com uma explosão,
qualquer toque é uma despedida,
qualquer movimento é sinal de uma partida

e eu me encolho,
tenho pavor das partidas
quanta dor eu mereço sentir?
e que castigo cometi pra ser tão duramente punida?

às vezes, sinto que me preocupo mais
com as partidas do que com as presenças
mas não faço por mal,
só não aguento mais a bagunça das explosões

estou cansada de tentar arrumar a minha vida,
encontro sempre coisas nostálgicas,
que primeiro me distraem e animam,
mas depois me fazem chorar

lágrimas ácidas e radioativas
corroem o que restou do meu corpo
tudo aquilo que não levaram ou destruíram
(mas, no final, tudo se deteriora de alguma forma)

eu queria ser mais forte
e saber lidar com tudo isso
ou ser mais fraca
e ter coragem de botar um ponto final

eu queria não viver mais nos extremos
conseguir alcançar o meio termo
um equilíbrio que tornasse tudo mais suportável

Eu tento buscar uma solução
e a angústia retorna a gritar
que ninguém vai desistir de mim e partir
se eu desistir de mim primeiro

eu não sei mais de onde arranjar criatividade
pra criar formas de dizer
e tentar explicar
que eu quero morrer

não ter medo da morte,
nem desejar por ela:
ser neutro sobre a morte é a vitória da vida
(e   e u   s e m p r e   p e r c o)

05/03/2021

Pseudo-vidaWhere stories live. Discover now