Parte I - Capítulo 01 - HADRIACA PATERA

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— De onde vocês vieram? — A idosa insiste nas perguntas.

— Nós somos refugiadas da guerra entre as colônias de Ophyr e Chryse. — A mãe apontou para si mesma e para sua filha.

— Entendo. — A anciã mordeu o lábio inferior. — Fugiram das guerras do Oeste, não é? É um absurdo a terraformação do planeta inteiro falhando, escassez de viveres e ao invés das colônias aqui de Marte pensarem em ser unir, veja você, elas acabam se matando.

— Sim, fugimos. Nós estávamos em um processo de terraformação independente dentro do abrigo do nosso kibutz nas cavernas de Ophyr quando estourou os bombardeios de "lanças de deus" pelos cruzadores inimigos... — A mãe suspirou pesarosa. — Anos de terraformação perdidos... Que saudade da era de paz, antes de voltarmos às barbáries. Estávamos tão perto... Tão perto.

— Pois é, nem me fale, — a idosa também se lamentou — estou muito triste que continuamos perdendo a terraformação aqui de Hellas Planitia também, mas não é só aqui... O planeta todo está resfriando de novo.

— Sim, a terraformação daqui está perdida, é apenas questão de anos... — A mãe respirou fundo antes de voltar a falar. — O único jeito de remediar isso é a união de todas as colônias, o que convenhamos, é utópico.

Alguns segundos de silêncio. A desacompanhada senhora queria saber mais, mas se conteve. Esperou a mãe da criança dar corda para a conversa.

— Nós estamos fugindo para a redoma de Hadriaca Patera em Lockyer, capital de Hellas, imagino que a senhora também. Não? — Por educação a mãe retomou a conversa, desta vez como entrevistadora.

— É verdade... — a idosa acenou com a cabeça. — Eu também. Larguei tudo e estou indo para lá. Eu era colona agrícola sabe? O meu agrupamento nas cavernas de Olympus Mons em Tharsis havia transformado um belo pedaço de chão em solo praticamente idêntico ao terráqueo. Plantávamos bananas, imagine você!

— Nossa! — Se surpreendeu a mulher mais jovem.

— Pois é, mas isso é passado agora. — Disse a mulher mais velha, já conformada com sua sina.

— Que pena. — Tornou a suspirar a mãe. — E então a atmosfera e o solo ficaram inóspitos de novo...

—... E perdemos tudo! Por Fobos e Deimos, tudo! — A senhora se lamentou enfática.

— É realmente uma pena, mas não se preocupe porque dentro da cúpula de vidro nós teremos uma atmosfera artificial, um ambiente controlado. Será um ecossistema muito similar ao terráqueo original. — A mãe tenta animar sua colega de viagem. — Livre de radiação solar, meteoritos... Será a primeira experiência de colonização fora das cavernas ou do subterrâneo. Vai ser uma beleza!

— Ah! Tomará! — A senhora tornou a sorrir. — Não acredito mais em terraformação, sabe? Por acaso você viu a merda que fizeram em Ceres?

— Ouvi falar! Foi uma pena também, todo mundo sabia que com aquele frio e a dificuldade de receber luz solar o projeto ia dar em nada... olha, vou te falar... — A mãe resmungou. — Bom, pelo menos o planetoide é habitável agora.

— Pois sim! — A idosa franziu o cenho. — Apenas para mineradores mascarados, que beleza, não é? Não é possível colonizar, é um mundo estéril.

— Mas a meta não é colonizar, é fazer uma base ponte para as missões para Europa em Júpiter. — A mãe deu de ombros novamente.

— Outra aventura inútil! Bobagem! Quem vai viver lá? — Disse a senhora revoltada. — É o que eu sempre digo, igual ao planeta Terra não tem, e nunca haverá!

Paradoxo de FermiOnde histórias criam vida. Descubra agora