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Levanto da cama num pulo com o despertador. "É o despertador mesmo?" penso. Olho pela janela e ainda estava escuro. "O que foi isso? Que horas são?". Estico o braço preguiçosamente até meu celular no criado mudo.

"5h!? São só 5h!!! Que barulho é esse? Ah...ISSO É UM GALO? Tá de brincadeira."

Rolo de um lado para o outro na cama, mas não consigo dormir. Maldito galo! Maldito mato! Levanto pisando duro e vou até a cozinha. Eu só teria que levantar as 07:30h, então tenho tempo de sobra. Começo a passar um café e fazer um lanche quando ouço um barulho lá fora. "Quem será a essa hora? E parece relincho..."

Dou a volta na casa e vejo de longe que há alguém montando um cavalo todo preto. Deve ser o Leão. A pessoa percebe que eu observo e para de frente para mim. Sinto meu corpo todo tremer por dentro. Corro de volta para a cozinha. Será o mesmo moço de ontem? Termino de tomar meu café com o dia já mais claro. Vou para o meu quarto e tomo um banho relaxante. Arrumo-me como de costume: uma calça jeans, sapatos marrons, uma camisetinha branca, um cinto marrom e cabelos soltos. Pego minhas coisas e vou para meu carro. Começo a sair da garagem e abaixo um segundo para colocar minha bolsa no chão. Quando olho novamente para frente, um imenso cavalo preto com alguém em cima está no caminho. Com um grito, piso forte no freio. O animal assustado, começa a empinar. Ouço uma voz grossa acalmando o bicho. Quem é esse indivíduo que fica parando na frente de um carro? Tá louco?

– Ei, você! – Grito, com meio corpo pra fora do carro pela janela. – Tá maluco?

Ele vira de frente para mim e engasgo com a imagem. Pernas grossas e em evidência em cima do cavalo, uma grande fivela, uma camisa xadrez em azul, um imenso chapéu creme e por baixo dele o rosto mais másculo que já vi. O fato de ele estar bravo o deixou mais bonito ainda. Na verdade, ele não é bonito como esses mocinhos dos filmes. Um queixo quadrado e com a sombra de uma barba de poucos dias. Um nariz grande e também quadrado. Uma boca grande e com lábios carnudos. Olhos escuros que me encaram feio, fazendo um vinco na testa.

– Me perdoe moça, mais eu achei que cê tava me vendo. – Um sotaque caipira, com o "r" puxado de torcer a língua completou a imagem sexy daquele cowboy, junto com sua voz grave.

– Tu-tudo bem. É... Bom dia. – Por que eu estou tão nervosa?

– Bom dia. – Ele cumprimenta, tocando a aba do chapéu, mas ainda mal-humorado com o ocorrido.

Dentro do carro, eu tento acalmar meu coração que agora bate descoordenado, feito a pios escola de samba já vista. O caminho todo para o trabalho é feito com exercícios de respiração que vi em algum vídeo no facebook, mas nada funciona. Chego, jogando-me na cadeira, e fico estática, com a imagem daquele queixo na mente.

– Valentina, minha querida, está com problemas para trabalhar? E ainda quer ser promovida. – Olho para cima e a pessoa mais irritante da empresa está debruçada sobre minha divisória. Rosana é o tipo de pessoa que gosta de tripudiar sobre aqueles que alguma vez se sobressaíram. Inveja em forma de mocréia.

– Bom dia horrorosa companheira de trabalho. Sim, eu estou com problemas para trabalhar pois estou com um gostoso invadindo meus pensamentos. Se sua vida é chata, pode ficar aí assistindo a minha.

Ela sai batendo os saltos e praguejando. Se tem algo que essa mulher passa necessidade é de sexo, uma verdadeira "mal-comida".

Passo o dia entre notas, pedidos, coxas grossas e chapéus misteriosos. Vou do trabalho direto para a faculdade, e no meio da primeira aula meu celular vibrou com uma mensagem do WhatsApp:

*Sabia que você fica linda quando está mal-humorada?

Olho para trás procurando um par de olhos azuis que sempre alegra minhas noites. Encontro-os olhando pra mim, com um sorriso de lado lindo.

*Hum, eu não vi você chegar.

*Au, isso doeu no coração. Achei que tivéssemos uma química.

*Af, isso só existe em conto de fadas. Me paga um café?

*Recebo o quê em troca?

*Paga pra ver... ;)

*Tô te esperando lá fora.

Juliano é o tipo perfeito: lindo, fofo, companheiro, mas tudo isso sem demarcar território com compromisso como namoro. Eu não estou nada afim de algo do tipo. Preciso da minha independência para deslanchar minha carreira. Digamos que somos amigos com bônus, coloridos e todos esses apelidinhos que dão para amigos que se pegam.

– Oi menina. – Ele vem até mim do lado de fora da sala e me dá um selinho. É algo normal entre a gente.

– Oi menino! Preciso urgente de um café e algo para comer.

– Você não almoçou Tina?

– Não... esqueci.

– Ah, cara, você não pode ficar fazendo isso. Vai ficar doente! – Me puxa num abraço e beija o topo da minha cabeça.

– Venha, vou te alimentar criatura.

Estar com o Ju é sempre tão gostoso e simples. Nunca ficamos sem assunto. Ir ao cinema como amigos, sair à noite como ficantes ou transar como namorados: qualquer uma dessas coisas era sempre bom. No fundo eu sei que ele quer algo mais, que quer uma certeza de que quero ele para mim, mas não é assim. É apenas um acordo que funciona. Somos muito amigos. A parte do "plus" é apenas cômoda para mim que não quero namorar. Tenho medo que um dia ele se afaste de mim por isso, mas nunca fui mentirosa com ele.

– Menina, terá uma festa à fantasia no sábado, você vem comigo?

– ADORO festa a fantasia! É claro que eu vou! Vamos nos falando durante a semana. Vamos combinando?

– Vamos! Você escolhe as fantasias, bebê.

– Af, que apelidinho feio! Não basta você ficar me chamando de Tina Turner?!

– Tá bom, desculpa. Essa semana, iremos alugar as fantasias. E o que está achando da casa nova?

– Na verdade eu gostei um pouco mais do que achei que iria gostar. A casa é linda. Descobri que meu pai tem cavalos. Estou tentando acostumar.

–Ual! Você interessada em bicho? Estranho...

– Também acho, mas eles são lindos. Bom, depois nos falamos, vou para a casa descansar.

Quando chego em casa tarde e todos já estão dormindo. Quando entro em meu quarto, há um pequeno vaso com flores do campo em cima da penteadeira e um bilhete:

Senhorita,

Peço perdão pelo que aconteceu hoje cedo. Eu me distraí. Espero que aceite as flores.

Marcos

Hum, então o peão chama-se Marcos. As flores são lindas e pelo jeito ele mesmo colheu. Com aquele jeito rude nem parece que teria um ato tão delicado. Guardo o papel e coloco o vaso na minha mesa no cantinho de leitura. Sonhos com pôr do sol e olhos embaixo do chapéu invadem minha noite mais uma vez.

Debaixo do Pôr do SolOnde as histórias ganham vida. Descobre agora