— Boa tarde, Let — disse eu, bem mais animado. Naquela hora, parecia que a fome tinha desaparecido. — Você podia ter passado um desodorante né, fedida?

— Dona Let rainha do meu coração, para o senhor! — falou com o dedo indicador tocando minha testa — Poxa, eu tomei banho sábado, tá tão ruim assim?

— Talvez porque hoje seja uma terça? — indaguei sorrindo. Você nem imagina como ela me anima, Diário. Me faz esquecer, por um momento, como é estar prestes a morrer.

— Bleh, não ligo! — afirmou, olhando para minha mochila com o canto do olho — Pra que tanto dinheiro, vai comprar um carro? Pode dar um pra mim? Que tal um gol quadrado? — pediu, com um olhar sarcástico, mas fofo. É incrível como ela consegue me zoar e ainda assim me prender cada vez mais em suas palavras.

— Ah, bem, é que, sabe, eu meio que... — foi nesse momento que eu me liguei: aquilo era tipo um encontro? Por que, se fosse, eu estava ferrado, nunca chamei ninguém para sair. Eu sequer quis sair com alguém!

— Você tá estranho, 'que' foi, cheirou alcaçofra, alcafrouxa, ai que ódio — disse, batendo os pés de maneira engraçada. Engraçada o suficiente para me fazer rir descontroladamente.

— Para de rir, sua praga! — falou, começando a rir logo em seguida.

Em segundos, estávamos os dois gargalhando feito dois condenados no refeitório da escola, sem sequer lembrar de que estávamos rindo. Mais uma vez, com ela, senti que nada poderia me derrubar, que aquela felicidade seria eterna. Me senti vivo.

Infelizmente, nossa felicidade foi cortada pelo sinal das aulas. Para piorar, o horário seguinte seria física. O choque de ter que, em alguns minutos, calcular a velocidade média de uma banana voadora foi o suficiente para me fazer acordar daquele transe de risadas. Agora, um pouco mais concentrado por conta das bananas, consegui pegar o dinheiro da minha mochila.

Com o dinheiro na mão, fui até Letícia, que continuava rindo e pegando seus cadernos que estavam no chão.

— Ehh, ei Let — chamei e respirei fundo, imaginando o número de foras que eu poderia receber — Você tá livre hoje depois da aula?

— Ah, então... — disse em voz baixa — Eu marquei de sair com um garoto! Era isso que eu ia te falar agora no almoço.

Deixei o dinheiro todo cair da minha mão, como uma forma de disfarçar as lágrimas nos meus olhos. Era a primeira vez que eu chorava em muitos anos. Senti toda aquela energia que envolvia meu corpo ir embora, deixando apenas a mim e meus ossos. Sem o sentimento bom que ela me passava, parecia que eu não podia continuar em pé. Sequer conseguiria permanecer vivo.

— Ah! — exclamei enquanto pegava as moedas restantes e enxugava as lágrimas restantes no meu rosto — Que legal! Quem é o azarado? — brinquei, com o melhor sorriso que eu podia falsificar na hora.

— O Gabriel, da turma E — exclamou apontando para trás, mostrando o corredor — Você tem certeza que está bem? Parece cansado?

Eu realmente estava cansado. Fiquei acordado a noite toda, pensando nas formas de fazê-la feliz. Em seguida, não tinha comido nada desde às 6 da manhã e me enchia de café para conseguir me manter em pé, o que me deu dor de cabeça. Estava parecendo um zumbi, mas a felicidade que ela me dava foi o suficiente, por algum tempo. Agora, eu realmente sentia que iria desmaiar.

— É, eu acho melhor ir para casa afinal. Onde vocês dois vão? — questionei, fingindo interesse.

— Ao cinema! Ele quer ver os novos filmes do Star Wars, e ainda vai pagar a sala vip! Não é demais?

— Com certeza.

— Só não te levo porque sei que você não curte esses filmes, e muito menos iria ver no cinema, né?

— Tem razão, eu não sou igual ele. Desculpa interromper o papo, mas eu preciso ir. — disse, segurando as lágrimas dentro dos olhos. Não queria deixá-la preocupada. No fim, quem vai fazer o dia dela especial não sou eu, mas pelo menos será especial não é?

Depois disso, voltei para casa mais cedo. Meus pais me questionaram, mas perceberam que seria melhor perguntar depois. Eu estava abalado demais, cansado, com fome e frio, já que ainda tomei chuva no caminho de volta.

Agora, eu tô escrevendo em um diário idiota, que provavelmente vai ser motivo de piada após minha morte. Falando em morte, não seria uma má ideia afinal. Ela não precisa de mim aqui pra fazer algo especial, precisa?

Não sou forte como aquele garoto, o Gabriel. Na verdade, não sou metade dele. Ele é bonito, alto e tudo que você pode pensar como garoto perfeito. Eu sou apenas alguém apaixonado demais para manter a mente sã.

Tentei dormir, mas isso se tornou uma tarefa impossível com tantos pensamentos. Ouço vozes repetidas vezes, perguntando o porquê de estar em casa, sozinho, enquanto ela aproveitava com os amigos?

Eu só queria que ela me ensinasse como é amar. O que realmente é tudo isso. Afinal, esses 12 dias que eu pretendia tornar especiais não eram só para ela. Eu sou egocêntrico demais para isso. Me apaixonei pela maneira que ela me faz sentir vivo, e gostaria de sentir esse pico de energia todos os dias.

Depois de muitas horas rolando na cama e gritando com a boca no travesseiro para abafar o som do meu tormento, finalmente adormeci, e assim fui para o segundo dia antes de minha morte.

12 dias até minha morteWhere stories live. Discover now