Capítulo 1

1 0 0
                                    

Evie entrou em uma loja na rua comercial da comunidade Capivara, fechando a porta atrás de si e percebendo que o local estava escuro, a pequena sala não possuía nenhuma janela para que a luz solar pudesse entrar o que tornava o ambiente sombrio e abafado pela falta de ventilação. A única lâmpada pendurada no teto estava apagada, sem energia, um fato rotineiro na vida das pessoas que moravam fora dos muros da Nova São Paulo.
-E aí, Evie. O que manda? -Disse o rapaz atrás do balcão, Felipe, um rapaz negro por volta de 25 anos, era difícil precisar a idade das pessoas por ali, a vida era sofrida e algumas pessoas pareciam mais velha do que a idade que tinham.
-Dinheiro, Fe. Preciso pagar umas contas. -Abrindo um leve sorriso, eram amigos de infância e existia uma grande cumplicidade entre eles.
-Seu Olavo deve estar no seu pé, deixa aquele velho para lá, não esquenta com ele.
Felipe, assim como Evie, era uma das poucas pessoas na comunidade que tinha equipado um sistema neural. Dentro da cidade esse sistema era um item básico da vida, usado para pagar contas, troca de mensagens, GPS e tantas outras funções que um computador era capaz de fazer. Ali na comunidade Capivara era um item raro, o principal método de pagamento ainda era as velhas notas de real, que há muito haviam sido abandonadas pelas pessoas da cidade.
-Preciso de 5 mil em notas, por favor. -A garota se debruçou no balcão da loja, com o cansaço se abatendo sobre o seu corpo. Os cabelos ruivos estavam amarrados em um rabo de cavalo que estava se desfazendo, os olhos verdes não tinham o brilho de sempre e o rosto branco estava sujo de fuligem e óleo.
-5 mil? Está cheia da grana hein. -Felipe de uma risada mostrando os seus dentes brancos e bem cuidados, uma raridade naquele lugar. Começou a contar as notas, antigas cédulas de reais, de todos os valores. A maioria delas desbotadas e algumas até mesmo rasgadas e faltando pedaços.
Os olhos de Evie se acenderam em uma coloração azul, isso acontecia quando ela estava utilizando as funções de seu sistema neural, acessou sua conta e transferiu para Felipe o valor de 5500 eReais. Pegou as notas velhas e ficou olhando para elas.
-Como eles usavam isso antes? Não é nada prático e ainda estragam, ainda bem que abandonamos esse sistema muitas décadas atrás.
-Infelizmente nem todos abandonaram, implantar um SN é muito caro e as pessoas aqui da Capivara não tem grana para pagar nem a comida. -Ele falava quando um alerta de mensagem apareceu em seu campo de visão, uma mensagem de transferência. -Certinho, 5500. Eu não queria cobrar esses 10% mas eu também preciso pagar minhas contas.
-Você é um dos poucos caras honesto que temos aqui, não me importo em pagar. -Evie estendeu a mão direita para cumprimenta-lo, era um braço mecânico de cromo, comprado de segunda mão, com alguns fios a mostra e nenhum acabamento.
Felipe retribuiu o o aperto de mão dela, sentindo o toque frio do metal em sua pele quente, não era algo que estava acostumado.
-Alguém esta precisando de um braço novo. -O braço estava danificado, alguns fios soltos e partes do metal amassado, a funcionalidade também estava comprometida, Evie não conseguia segurar coisas pesadas com firmeza.
-Danificou no último serviço, vou gastar uma grana para arrumar, um novo está fora de questão agora. Até mais, Fe.

***

Situada a beira de uma antiga avenida que ligava a região leste ao centro da cidade, a comunidade Capivara tem pouco mais de 5 mil habitantes, com sua maioria nascido ali. Os moradores viviam em antigas casas construídas a mais de um século, em sua maioria casas deterioradas, sem pintura, com blocos aparentes e algumas até com paredes caídas. Poucos era os prédios de 3 ou 4 andares, esses também eram usados como moradia, comportando um número ainda maior de famílias.
Os antigos arranha-céus não era usados pelos moradores da vila, apesar de poderem comportar um número muito grande de pessoas, esses prédios haviam sofrido muito com a falta de manutenção e muitos desmoronaram, deixando em seus locais pilhas de entulhos e corpos soterrados.
Evie caminhava por uma rua larga no centro da comunidade, o asfalto estava cheio de buracos, o que não era um grande problema porque o fluxo de carros era praticamente inexistente na vila. O sol ia se pondo, fazendo o céu ficar alaranjado no horizonte, a noite iria ser fria, um vento gelado soprava pela rua, fazendo a pele dela se arrepiar.
Estava com fome, a última coisa que entrará em seu estômago fora o café da manhã que comeu antes de sair rumo a cidade para mais um dia de trabalho. Torcia para encontrar sua mãe com um prato de comida quente na mesa esperando por ela.
Os passos ficaram mais acelerados, ia saindo da região comercial e entrando na área residencial. Carregava com ela 5 mil em notas e, apesar da pequena população da vila, ela sabia que não podia andar desatenta. Carregava, por dentro de sua calça jeans, uma antiga pistola 9mm e trazia pendurada em suas costas uma katana. Eram as armas que usava para trabalhar e sabia se defender muito bem com elas.
A rua estava escura, a iluminação pública era uma exclusividade da área comercial, caminhava com um pouco de pressa, não conseguia enxergar muita coisa a sua frente mesmo estando acostumada a andar na escuridão.
As luzes da varanda da casa de Evie estavam acessas e ela via a silhueta de duas pessoas, um homem e uma mulher. A mulher ela conseguia distinguir como a sua mãe, o homem ela não sabia quem era.
Andou mais rápido em direção a casa e ao chegar no portão viu o Seu Olavo falando com Dona Márcia.
-Eu quero meu dinheiro, já faz dois meses que a puta da sua filha não paga o aluguel.
O sangue de Evie ferveu em suas veias, ela odiava aquele homem com todas as suas forças e quem ele pensava que era para falar assim com sua mãe. Com passos firmes ela entrou na varanda, se colocando entre os dois. Olhava para Olavo, com ódio no seu olhar.
-Está aqui a merda do seu dinheiro. -Pegou o maço de dinheiro que trazia no bolso e colocou na mão do homem.
Ele olhou para as notas e começou a contar na frente delas, mostrando um sinal de desconfiança. Olavo era um homem de meia idade, com uma barriga proeminente, um bigode grosso quase totalmente grisalho. Era dono de todas as casas naquela rua e cobrava preços altos pelo aluguel.
-Aqui só tem o valor de um mês e você esta me devendo dois.
-O outro eu te pago quando mandar consertar a porra do telhado que esta pingando na sala e que faz um mês que eu pedi para consertar e até agora nada. Agora pegar essa merda de dinheiro e vaza daqui!
Evie falava de um jeito furioso, não conseguia suportar a presença daquele homem mesmo sabendo que sua moradia dependia dele. Estava farta de morar ali, queria partir para dentro da cidade e levar a sua mãe mas seu salário mal pagava as suas contas na comunidade.
Olavo apontou o dedo na cara de Evie, quase tocando o nariz dela com o indicador. A garota podia sentir o cheiro de fumo que saia daquele dedo, se manteve parada tentando se controlar sem desviar o olhar, não queria demonstrar nenhum tipo de fraqueza para aquele traste.
-Quero os outros 5 mil na semana que vem ou então vão dormir na rua. -O homem se virou e com passos firmes saiu da casa, deixando as duas paradas na varanda.
Dona Márcia tremia e algumas lágrimas brotavam de seus olhos. Foi abraçada pela filha que tentava acalmá-la.
-Está tudo bem, mãe. -A conduziu para dentro de casa, fazendo com que sentasse no sofá de dois lugares.
A casa era composta por dois quarto, uma sala, uma cozinha e um banheiro, as paredes não tinha mais revestimento o que deixava a mostra os tijolos marrons que compunham a estrutura. O telhado era feito com antigas telha de barro e o antigo encanamento entregava uma água suja nas torneiras. Evie achava um absurdo o preço cobrado de aluguel por aquela casa, chegou a procurar outros lugares mais baratos para morarem, sem sucesso, todos os donos de casas pareciam combinar o preço do aluguel.
-Não se preocupe, eu vou pagar esse filho da puta, eu tinha o dinheiro todo mas eu preciso pagar o conserto dessa braço para continuar trabalhando.
Evie se aproximou da mãe, sentando ao seu lado e deu um beijo na testa da mulher. Ela parecia frágil, a vida havia sido dura com ela por muitos anos.
Márcia era uma mulher com 52 anos, as rugas em seu rosto não faziam jus a sua idade, os cabelos brancos faziam com que sua aparência fosse de uma mulher ainda mais velha e sua fragilidade assustava Evie, uma fragilidade tanto física quanto emocional. Os olhos verdes dela já não tinham o mesmo brilho que os olhos da filha possuíam, viviam apagados e cheios de dor e tristeza.
-Amanhã eu vou para cidade de novo, tenho outro serviço para fazer e esse vai pagar melhor.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Feb 04, 2021 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Nova São PauloWhere stories live. Discover now