PARA FUTURO SEM LUZ

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Há um prenúncio não perceptível à mente comum antes das grandes tragédias humanas.

Os animais mais belos e mais preparados para o novo mundo surgido no pós-2054, como pombos, abelhas, tartarugas, galinhas, toupeiras e bois salvaram-se por muito mais tempo porque foram capazes de detectar o magnetismo da Terra.

Estes mesmos animais possuidores de visão ultravioleta foram também capazes de detectar a polarização da luz do sol, mesmo quando o céu estava completamente nublado ou todo tomado daquele espelho de pó escuro até então inexplicável.

A glândula de georreferencia estava lá, intacta, nas espécies migratórias, mas não tão desperta no ser humano deste novo tempo, pelos anos de atavismo sedentário e reclusão em territórios estanques chamados de países.

A glândula em forma de pinha, ou hipófise, embotada no ser humano, precisava ser limpa por novos hábitos, sem flúor, sem álcool, sem música de vibração abaixo das notas do despertar, e com mais estímulo dos raios solares benéficos e que, como milagre, era o tempo todo apropriado, da aurora ao crepuscular.

A restauração da pituitaria ou glândula pineal no meio da cabeça, atrás e entre os dois olhos, passou a ser a meta do planeta e a grande busca depois de revelada pela Ciência de que não haveria a melhora da visão ocular por séculos e que a sensibilidade seria o fogo aceso na noite fria deste novo homem da segunda metade do século XXI.

O século XXI era então uma incógnita, mas com as mudanças dos costumes, a alimentação plantada sem veneno, a eliminação de açúcar branco, o consumo de iodo natural vindo do apodrecimento de raízes como mandioca, inhame, mangarito e mesmo do iodo medicinal aumentariam as chances de adaptação deste novo ser transpassando a idade da luz para a abertura do olho sensitivo.

Sonhos miraculosos eram contados todos os dias entre os vizinhos, devido à ativação do terceiro olho glandular.

As adivinhações se tornaram possíveis e os eventos do correr do dia eram antevistos para correção de rumos, evitando dissabores futuros.

A mais difícil hora nas comunidades de espelhados era contabilizar, no final de cada período, o número de desaparecidos na bruma escura durante os períodos mais críticos que se sucederam à medida que a luz foi dando lugar às trevas e aquele brilho cinza brilhante como minúsculos diamantes de grafite.

Espelhados agora estavam se preparando para o próximo passo de sua evolução: o programa de controle de natalidade, lento processo de esterilização em massa, capaz de diminuir a população de forma gradual, pois a falta de estímulo ótico daria sucessivas gerações de privados da luz, além das doenças pulmonares, cardiovasculares, cessação de avanços medicinais e científicos para dar suporte ao futuro das gerações da metade final do próximo século XXII em diante, em que a luz seria ainda mais comprometida ou mesmo bloqueada pela chamada matéria escura do grande artefato apófise, segundo últimos cálculos realizados.

Propagada poeira do Apófise agora se revelava uma farsa ou mais provável aterradora ignorância acerca da natureza do corpo celeste completamente preenchido de matéria crítica capaz de absorver a luz .

Acabada a crise mais aguda, o que se viu foi queda vertiginosa do crescimento demográfico, com o início do processo de desocupação dos vastos espaços terrestres. Havia territórios inteiros sem um morador sequer, ilhas em penínsulas desocupadas, mas ainda não poderia ter plena consciência disso, tal a completa avaria nos sistemas de comunicação.

APOPHISE 2054                                        Efeito EspelhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora